quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

A FORÇA DO HÁBITO E OS ESTADOS DEPRESSIVOS



Quase sempre, a manifestação física da depressão é o resultado de um processo mais ou menos longo de incubação mental/emocional.  Aliás, há pesquisadores que defendem a tese de uma causa semelhante para outras doenças, como certos tipos de câncer. Seria a somatização de uma desordem interna. A fase subjetiva da mente, sem um controle efetivo da vontade, vitaliza e perpetua imagens e impressões resultantes de conflitos, concedendo a isso uma espécie de “realidade virtual”.  Ao atingir o ponto crítico, em que os quadros e sensações internas ganharam preponderância no mundo interior do indivíduo, começam as reações em nível fisiológico, alterando a harmonia original do organismo.

Para a solução vir da própria mente, algumas etapas precisam ser vencidas. Dependendo do grau de manifestação dos sintomas, o auxílio externo é imprescindível. O paciente pode até compreender intelectualmente que deve mudar a atitude mental, mas o intelecto não costuma prevalecer sobre o emocional. E o embrião da depressão é básicamente emocional.

Emoções e hábitos estão intimamente relacionados, seja para a manutenção de uma rotina que dá segurança, seja para a repetição de estados prazerosos; daí se dizer que o homem é um ser de hábitos. E é justamente a manutenção de um hábito que propicia o ambiente para os embriões depressivos. Este hábito é o devaneio, uma reação inconsciente aos desejos não-realizados, às ofensas não-revidadas, ao que poderia ser mas não foi. No devaneio as imagens e impressões tentam compensar, de alguma forma, as frustrações; como num teatro, os personagens encenam o que traria a satisfação, o resgate do orgulho ferido. Mas a peça não tem final feliz; no confronto com a realidade exterior, o ser humano, espectador de si mesmo, constata desagradavelmente que a causa do mal-estar persiste. Esta consciência é o princípio do sofrimento.

Se somos seres de hábitos, é possível alterar a programação emocional através da mudança gradual de certos hábitos, bem como da adição de outros. É evidente que, se essas mudanças forem ostensivamente impostas, o resultado será nulo ou mesmo nocivo, por ferir o que cada um entende como liberdade individual. Mas, se a proposição de mudança acompanhar as caracteristicas de cada personalidade, é possível realizar-se um programa de rearmonização entre corpo, mente e emoções. A inclusão de atividades relacionadas ao belo, como a prática de uma determinada arte, pode abrir a porta para reajustes mais profundos. Induzir a reflexão sobre questões cruciais da vida facilita o auto-exame, já que, para o deprimido, a sua própria situação é crucial. Estimular a atividade física e o convívio social oferece um reforço à reconquista da auto-estima. Como bem o disse Confúcio, “Semeias um pensamento, colhes um ato. Semeias um ato, colhes um hábito. Semeias um hábito, colhes um destino”.
Dessa base em diante é que pode ser estabelecida uma compreensão de estados de consciência, para que se faça uma diferenciação entre “consciência perturbada” e “consciência tranquila”.

Jung foi muito feliz em seus estudos sobre Alquimia e símbolos arquétipos. Ele entendia que há um grande descompasso entre o desenvolvimento interior e exterior. Falando sobre símbolos e sua importância na compreensão da mente humana, “...No entanto, quando buscamos compreender esse fenômeno do interior, isto é, tomando por base a psique, partimos de um ponto central para o qual convergem muitas linhas, por mais afastadas que estejam umas das outras no mundo exterior. É aí que entrevemos essa psique humana subjacente que, ao contrário da consciência, transforma-se somente ao longo dos séculos, e em que uma verdade de dois mil anos é ainda a verdade de hoje, viva e ativa”.  

Ou seja, além das motivações atuais, o ser humano carrega consigo a herança ancestral de impressões profundamente arraigadas desde os primórdios da espécie. Compreender essa herança pode nos dar uma ideia mais concreta de estados de consciência e ser uma chave para a reorientação dos comportamentos emocionais.


Auro Barreiros

Janeiro de 2008