Segundo pesquisadores, o espelho
aparece como objeto de uso pessoal do ser humano por volta de 6 mil anos antes
de Cristo. É provável, portanto, que, até então, a imagem de si mesmo era
contemplada pelo homem apenas quando refletida pela superfície tranquila de um
lago. Mas este simples evento se reveste de profundo significado quando se
constata que, além do homem, são raras as criaturas que se reconhecem quando
refletidas. E dessas raras criaturas, o ser humano é a única que dá a esse fato
maior relevância, ao ponto de ter aplicado sua Inteligência em desenvolver
aparatos que reproduzissem o efeito natural das águas. Desde os espelhos de obsidiana até os atuais,
de vidro ou cristal, passando pelas joias de bronze ou cobre, indispensáveis
aos toucadores das mulheres nobres (e reis vaidosos) da antiguidade, transcorreram-se
milênios de ciência e arte na busca do espelho ideal.
Contemplar a própria imagem
é um ato justificado de diversas maneiras; o cuidado com a aparência, o culto à
beleza, a avaliação dolorosa da passagem do tempo e seu efeito sobre o viço da
juventude, seriam algumas das motivações para o uso do espelho, que dizem
respeito ao aspecto externo de quem nele se contempla. Mas é possível que existam questões mais
profundas e subjetivas relacionadas ao fascínio que esse artefato exerce sobre
a humanidade. Talvez o seu poder maior
seja o de provocar a reflexão.
Aliás, não por acaso, a palavra “reflexão”
arremete à principal propriedade do espelho. Ao se ver e se reconhecer na imagem refletida,
o ser humano também tende a se perceber como individualidade, algo ou alguém
distinto do grupo a que pertence, ainda que morfológicamente semelhante aos demais. As linhas do rosto, a cor dos cabelos, a
distribuição da massa muscular, são detalhes que conferem a cada indivíduo uma
identidade que o precede na relação interpessoal. Suas expressões faciais, gestos e olhares
elevam essa identidade a um plano de subjetividade, pois expõem facetas do
caráter do indivíduo, além de permitir vislumbres de seu mundo interior.
Junte-se a isso os trajes e adereços, e estaremos diante da cultura que molda a
personalidade que ora se contempla em um espelho. É um momento de auto-avaliação, que pode
afetar o humor e a estima pessoal.
Transportemos essa análise
ao aspecto mental e emocional e, por analogia, consideremos a consciência, ou
Eu Interior, como um espelho cristalino e fiel, pois, mais que imagens, é capaz
de revelar sentimentos, desnudar segredos, identificar falhas, intenções e
omissões. Ao se expor a esse espelho, o homem deve estar pronto para enfrentar
a sua realidade pessoal, sem vestes ou máscaras. Pode parecer cruel, mas a
verdade é a única linguagem que a consciência conhece. E sempre que se
escamoteia a verdade diante da consciência, o espelho se apaga, deixando o
homem à mercê de suas ilusões.
Ocorre, porém, que o Espelho
da Consciência não reflete únicamente os defeitos e mazelas do caráter; se assim
o fizesse, não seria fiel à verdade que o sustenta. Na imagem que nele se desenha, vê-se também o
cenário das lutas da alma em busca do aprimoramento. Ali estão, indeléveis, os
retratos de cada conquista de conhecimento, de cada vitória sobre a própria
ignorância, de cada momento de prática das virtudes. Com justiça, o Espelho da
consciência descortina o caminho percorrido, os erros e os acertos, oferecendo um
roteiro para a conquista da felicidade.
Desde que buscada
honestamente, a reflexão tem por dom propor ao homem o auto-conhecimento. Inspira
a transcendência, sugerindo mais altos patamares de percepção, regiões do
Espírito onde o pensar é o ser.
Reflitamos sobre isso, da
próxima vez em que nos contemplarmos no espelho!
Auro
17/7/2018