É
raro o dia em que os meios de comunicação não mostrem o sofrimento humano em
suas cruéis e variadas nuances.
Tragédias urbanas, acidentes, episódios de violência, afiadas lâminas
que decepam laços de amor longamente acalentados. A grande ironia está justamente na forma como
a informação é trazida. Os telejornais, recheados de dramas, invadem a tela
entre um programa de humor e uma novela, ou uma partida de futebol. Tão logo terminam, a atenção do telespectador
é desviada para as amenidades da ficção ou o riso fácil, amortecendo o impacto
das notícias deprimentes.
E
assim, dia após dia, o ser humano vai perdendo a sensibilidade à dor alheia.
Para
o místico, esse é um dos maiores prejuízos que a modernidade pode infligir ao
homem. Amortecer a compaixão é
desconhecer um dos princípios fundamentais da concepção mística de Deus: a alma
humana é parte indissociável da Alma do Cosmo, o que faz com que todo ser esteja
ligado a outro, numa cadeia infinita. Pelos limites da individualidade,
tendemos a sentir menos o que não nos afete diretamente. Talvez por isso a fome
que mata silenciosamente milhões de pessoas em certas regiões do mundo
não tire o sono do cidadão comum, ainda que este professe valores religiosos e
morais elevados. Talvez o desfile de ruínas humanas produzidas pelas drogas,
hoje em escala epidêmica, não abale as estruturas emocionais de quem não
convive com o problema no próprio lar. Para quem vive num país como o nosso, a
ideia de não se ter a liberdade de opinião, crença ou mesmo o elementar direito
de ir e vir é algo que soa meio surreal. Mas toda essa miséria moral existe e
afeta milhões de nossos semelhantes em todo o planeta; muitas vezes, bem mais
próxima de nós do que imaginamos, podendo estar do outro lado da rua ou na casa
do vizinho.
A
mente racional aponta razões políticas, a corrupção e o descaso das autoridades
constituídas como causa dos problemas sociais. Cobra responsabilidades e cria
fórmulas que, teóricamente, seriam capazes de solucionar as crises. Mas e
experiência demonstra que qualquer tentativa de minorar o sofrimento humano
passa primeiramente pela porta da compaixão.
A
compaixão é definida como um desejo emocional de aliviar o sofrimento de
outrem. É um impulso interior, provavelmente inspirado pelo estreito parentesco
que une todas as almas à Grande Alma do mundo.
O ser compassivo sente, de alguma forma, a dor do outro; não
físicamente, mas psíquicamente, de um jeito para o qual não há palavras
suficientes. É, porém, uma percepção intensa o bastante para dar origem a benfeitores
como Gandhi, Madre Tereza de Calcutá, e outros milhares de heróis anônimos,
capazes de devotar tempo, inteligência, trabalho e vida ao esforço de reduzir
as mazelas que atormentam a humanidade.
Certamente um bom exercício para estimular a
compaixão é desligar a tevê logo após uma notícia trágica e procurar perceber o
que se passa em nosso interior. Como o coração reage à imagens de pessoas
sofrendo? Estabelecemos alguma empatia?
Temos condição de imaginar-nos em situação idêntica à das vítimas de qualquer
tragédia? Somos capazes de formular pensamentos e sentimentos de amor
destinados às pessoas que sofrem? Lembramo-nos de rogar a Deus, conforme nossa
concepção, pelo alívio e consolo dos desafortunados?
Esta
é uma forma mística de compreender e exercitar a compaixão. Com a repetição, é
possível aprimorar os sentimentos e encontrar maneiras de ser compassivo e
colaborar para que a humanidade seja mais feliz.
Auro Barreiros
Janeiro, 2012