quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

DA EMBALAGEM E DO CONTEÚDO

  

O COMÉRCIO de todo produto ou serviço obedece a certas técnicas que são determinantes para sua afirmação nos meios de consumo. O sucesso ou fracasso nas vendas depende muito de fatores tais como a campanha publicitária de lançamento, o nome de fantasia e, com especial destaque, a embalagem que o revestirá, desde a fábrica até as mãos do consumidor. Por esta razão, inúmeros artigos de excelente qualidade estragam nas prateleiras ou têm suas fábricas falidas devido à mediocridade e falta de atrativos da embalagem que os envolve!

As potências industriais e comerciais conhecem bem isso. Tanto que dedicam profundo interesse na apresentação de seus produtos, dotando-os de artísticos envoltórios de cores escolhidas cientificamente, com base em suas influências diferenciadas no subconsciente humano. E quando, talvez devido a concorrência, as vendas caem, eis que ressurge, tal como a lendária Fênix, o mesmo detergente ou a mesma goma de mascar, “agora em nova embalagem, mais prática e funcional”, o que pouco ou nada revela quanto à melhora de qualidade ou da eficiência do conteúdo.

Com o ser humano as coisas acontecem de modo muito parecido. Cruzamos, todos os dias, com dramas e comédias ambulantes encerrados no peito de nossos semelhantes, sendo nós mesmos portadores de dramas e comédias a se desenrolar no palco do nosso foro íntimo. Facínoras e virtuosos, depravados e castos, religiosos, fanáticos, ateus, místicos e mistificadores compartilham do mesmo ar e da mesma luz, desconhecendo-se mutuamente!

Cada um de nós envolve-se com uma embalagem, que é a personalidade exterior; um instrumento de relação social, que se aprimora pelo acréscimo de experiências, absorvendo a cultura do ambiente. Esse aprimoramento acontece na razão direta da necessidade, embora seja, na maior das vezes, grandemente prejudicado pelo livre-arbítrio que, em algumas ocasiões, não a reconhece de imediato, demorando-se mais que o necessário para absorver as lições da vida.

Numa visão otimista, a personalidade exterior está, para a vida social, como a embalagem para os produtos no mercado; quanto mais agradável à vista, quanto mais impressionante aos sentidos, quanto mais convincente ao intelecto, tanto maiores as probabilidades de sucesso, já que tais características fazem de seu possuidor momentaneamente o centro das atenções, seja pela roupa em dia com a moda, seja pela melifluidade das palavras, ou pelo brilhantismo do encadeamento de raciocínios, ou pela habilidade na utilização de aforismos, excertos filosóficos e citações de autores conceituados na defesa de suas posições e opiniões.

Há, porém, algo a ser considerado quanto à personalidade exterior; tal como a embalagem, pouco ou nada revela sobre o conteúdo. Por este motivo, vez por outra somos desmentidos em nossa tábua de valores, quando uma embalagem aparentemente medíocre deixa transparecer uma centelha de genialidade ou um intrigante reflexo de paz interior; ou quando uma figura humana ricamente ajaezada, solidamente assentada em bases intelectuais, filosóficas ou religiosas de comprovada fidedignidade, minuciosamente lapidada por um convívio seleto, repentinamente, descamba para a agressão, verbal ou até física, por motivos, ao nosso ver, comezinhos. Ou quando da doçura aparente brota o azedume ante o confronto de idéias ou de responsabilidades, azedume facilmente perceptível, a despeito das boas maneiras e do polido vocabulário!

Este intrigante dilema é gerado pela equivocada concepção de termos como evolução, progresso, personalidade e sucesso. Muitos confundem evolução com desenvolvimento intelectual, quando este é apenas um dos aspectos decorrentes daquela.  Outros entendem progresso como acúmulo de bens, quando os bens acumulados, a mais das vezes, atravancam o progresso enquanto ferem a lei do uso. Há os que definem personalidade como o conjunto de informações e comportamentos amealhado pelo indivíduo, quando as legítimas bases da personalidade fundamentam-se no íntimo do ser, independendo de níveis de cultura e informação, por serem paulatinamente erigidas pelas conseqüências morais dos atos.

Já o sucesso é interpretado pela maioria como a súmula de fatos que enaltecem o ego, tais como a fortuna, o prestígio, a satisfação dos sentidos. Mas, desde que o mundo é mundo, pobres e ricos, belos e feios, reis e escravos, sábios e ignorantes buscam a felicidade e reclamam a falta de paz. O suicídio ocorre com muito maior freqüência na alta roda social do que no submundo, onde se morre mais de fome  do que de tédio!

Portanto, o que é o sucesso?
Seria, por acaso, a propalada iluminação?

Ou seria a indiferença absoluta aos altos e baixos da vida, um estado de graça que nos alienasse do meio-ambiente, pelo vislumbre de um paraíso além-fronteira de nossa percepção habitual?

Ou seria ainda o fruto final da existência plenamente vivida, com a aceitação do esmerilhamento moral para eliminar as arestas que ainda impedem a efetiva harmonização do “eu comigo mesmo”, de modo a romper o frágil verniz que pretende disfarçar as falhas decorrentes da ignorância?

Afinal, o que é o sucesso para você?..


Auro

       Década de 80







UMA REFLEXÃO SOBRE O MAL E O BEM



Embora em constante mutação, o Universo tem uma característica notável; a permanência da ação das leis. A matéria orgânica, por exemplo, se mantém coesa enquanto nela existir vida. Tão logo a força vital a abandone, começa a desagregação das moléculas e o retorno ao estado original dos elementos. Se nenhuma vontade interferir, “a Terra e o Universo vão cumprindo seu destino”, como bem diz a Desiderata. A evolução se dá em ciclos de diferentes durações, em obediência a uma espécie de regulamento cósmico. Ou seja, se o homem não existisse, a Terra e o cosmo continuariam existindo.

Mas o homem existe e, dos seres vivos, é o único que tenta impor sua vontade à ordem natural, graças ao arbítrio relativamente livre de que dispõe, além da autopercepção e as faculdades mentais que resultam na chamada racionalidade. Sua compreensão da realidade é circunscrita aos limites dos sentidos, que formam um arquivo de impressões para situá-lo no meio em que habita. Quente, frio, sombra, luz, dor e prazer, fome e saciedade, seriam talvez as primeiras balizas de interpretação da vida.  Ora, os sentidos funcionam segundo as mesmas leis que regem o restante do conjunto. É por eles que o ser vivo tem consciência de quando alguma coisa fugiu à harmonia geral do funcionamento fisiológico, do que é avisado pelo alarme da dor. Certamente, a dor, o desconforto em suas gradações mais contundentes, foi a primeira noção de “mal” para o homem primitivo. Por oposição, o “bem” era o estado de harmonia, prazer e saciedade.

Com o desenvolvimento do intelecto surge a organização comunitária; com esta, as regras de convivência e respeito aos territórios individuais ou coletivos. Estas regras vieram como fruto de experiências, por vezes desagradáveis, que provocariam o nascimento dos embriões do senso ético; mais tarde seriam revistas, ampliadas, aperfeiçoadas, no compasso da evolução mental e emocional.

A vida em comunidade implica na manutenção da segurança dos indivíduos diante dos perigos naturais ou provocados, obtenção do sustento e abrigo, medidas que visam manter a harmonia física e emocional. E neste ponto da evolução brota o conceito de “crime”. Sempre que um indivíduo ou grupo contrariassem alguma dessas premissas, expondo os demais à insegurança e à dor, estariam infringindo as regras máximas da comunidade e, consequentemente, praticando o “mal”.  Nesse contexto, por exemplo, apropriar-se dos pertences de outrem sem o seu consentimento é “roubo”, e seus praticantes, “ladrões”. 

E eis a grande pergunta: o ser humano primitivo praticava o “mal” por desejo consciente de prejudicar o semelhante ou por ainda não saber lidar com as regras de convivência que ele mesmo criou?

E nos dias de hoje, milhares ou milhões de anos desde as cavernas, já nos educamos interiormente a ponto de reconhecer a totalidade do direito alheio?

Considerando que a natureza não tem compromisso com as regras humanas e cumpre fielmente seu papel de reguladora da matéria, podemos inferir que há criações “boas” e criações “más”?

Não seria plausível admitir que o “mal” é criação do homem, em face de sua atual incompreensão das Leis naturais, especialmente em relação à vida?

Auro Barreiros
2010