quarta-feira, 16 de maio de 2018

BREVE, PORÉM SINCERA REFLEXÃO SOBRE AS VOCAÇÕES




Ser professor é ter a vocação de transmitir conhecimento e alavancar o progresso das mentes. 

Pensando nisso, lembrei-me de outras vocações bem significativas: a do médico, cujo foco é zelar da saúde física, a do religioso, que se propõe a cuidar da saúde espiritual, e a do político, que pretende participar da construção do edifício social. 

Cada uma dessas vocações, em seu campo, é relevante para o bem das pessoas. 
O problema começa com os equívocos na aplicação das vocações; quando as atitudes misturam, desproporcional e inadequadamente, os conceitos de cada terreno. 

Um médico, por exemplo, pode ser político ou religioso; mas, por bom senso, certamente não tratará de política partidária quando em consulta ou na sala de cirurgia. No púlpito, até por respeito aos fiéis, o pastor não fará conferência sobre medicina, pois está ali para tratar dos fundamentos de sua fé. 

Em plenário, seja qual for a convicção do parlamentar, do político se esperam algumas virtudes fundamentais: equanimidade, tolerância, senso de justiça, pensar no coletivo (pois é pelo e para o coletivo que ele foi eleito). Sem falar na honestidade, pois esta não é virtude: é dever. 

E a honestidade indica que o político não é (ou não deveria ser) eleito para defender os interesses de seu partido, clube de serviço ou denominação religiosa. Honestamente, ele lutará pelo direito, pela inclusão social, pelo acesso às oportunidades para todos os cidadãos. Afinal, a diversidade é uma das características mais evidentes e necessárias à formação e evolução da sociedade. Religião, partido, etnia, comportamento sexual, nada disso deve toldar a visão de justiça de um político por vocação.

É só não misturar as estações!



Auro
outubro/2015


quarta-feira, 2 de maio de 2018

O SAGRADO SILÊNCIO




Quando pensei que já estava acostumado com a agitação do cotidiano, com o ruidoso movimento que caracteriza a vida, de repente me pego buscando silêncio. O silêncio que me ofereça calma e serenidade ao coração. Procuro, então, suprimir ou pelo menos atenuar o burburinho à minha volta; afasto-me da trivialidade barulhenta e me recolho física, mental e emocionalmente, a uma espécie de isolamento.

Na quietude imposta pela solidão, me acomodo e acredito que, finalmente, estou mergulhado no silêncio. Mas logo descubro que essa é uma sensação ilusória; o silêncio pode ser muito eloquente e movimentado.
Na medida em que diminuem os apelos exteriores, mais intensa se torna a cascata perene dos pensamentos. Como uma revoada de pássaros de diversos tipos e cores a pontilhar o azul do céu, ideias e lembranças brotam espontaneamente e, por uma ordenação misteriosa, se agrupam segundo seus conteúdos, induzindo a reflexão quase que compulsória. Obstinado em meu propósito de alcançar o silêncio, entro em luta contra essa correnteza mental; quando imagino ter detido o fluxo das ideias, eis-me envolvido por dilemas, arrazoando, negando, aprovando, justificando!.. 

Frustrado, passo a examinar a natureza dos pensamentos e noto o quanto estão impregnados por algum tipo de emoção. Entendo, então, que não alcançarei o silêncio interior antes de aquietar meu mundo emocional. Com essa esperança, começo a reconhecer as motivações mais íntimas desse torvelinho mental; na raiz dos planos, das convicções, das reminiscências ou prospecções de futuro, estão os desejos reprimidos, os afetos não correspondidos, as lembranças mais caras, os medos e as vontades negadas. Mas ali também estão as crenças infantis, as fantasias de toda ordem, os preconceitos e os produtos do devaneio. É uma constatação incômoda, mas necessária, pois não há como dominar o que desconheço. Tenho, pois, que encarar minhas verdades e recontar minha própria história.

Desse ponto em diante, o mundo mental vai, aos poucos, cedendo lugar às imagens e sensações do plano emocional. Quadros vivos, como num teatro mágico, encenam as minhas dores e meus prazeres. E eu revivo, por instantes, cada momento de angústia ou de contentamento, para além do tempo e do espaço. Consciência e sentimento se unem e se transmutam em outra forma de percepção, capaz de transcender a lógica e as palavras. É como se todas as minhas experiências fossem calcinadas e a cinza resultante representasse a soma do ato de viver.

O ruído interno começa a diminuir, como acontece  num grande salão de festas que vai sendo deixado pelos convivas, ao fim do grande baile. Parece-me então que o desejado silêncio está chegando!..

A sós com a cinza de minhas experiências, agora sem o assédio insistente dos pensamentos e emoções desencontradas, meu coração principia a revelar imagens do que sejam os meus ideais de amor, paz, beleza, justiça, verdade!..  Imagens que brotam do centro do peito, como se ali estivessem desde sempre, porém aprisionadas pelo arbítrio transitório.
Sim, o amor, a paz, a beleza, a justiça, a verdade sempre estiveram presentes no meu coração, ainda que eu não me desse conta! Agora, libertas pelo meu desejo de ser feliz, essas bênçãos primordiais realizam a divina alquimia. Como borboletas multicores, como rosas e lírios, preenchem com alegria o vasto salão do meu Eu. A música da paz toma todos os espaços e ilumina todos os escaninhos dessa empoeirada mansão de mim mesmo!

E assim se faz o Sagrado Silêncio.




Auro
20/4/2018