Quando pensei que já estava acostumado
com a agitação do cotidiano, com o ruidoso movimento que caracteriza a vida, de
repente me pego buscando silêncio. O silêncio que me ofereça calma e
serenidade ao coração. Procuro, então, suprimir ou pelo menos atenuar o
burburinho à minha volta; afasto-me da trivialidade barulhenta e me recolho
física, mental e emocionalmente, a uma espécie de isolamento.
Na quietude imposta pela solidão, me
acomodo e acredito que, finalmente, estou mergulhado no silêncio. Mas logo descubro
que essa é uma sensação ilusória; o silêncio pode ser muito eloquente e
movimentado.
Na medida em que diminuem os apelos
exteriores, mais intensa se torna a cascata perene dos pensamentos. Como uma
revoada de pássaros de diversos tipos e cores a pontilhar o azul do céu, ideias
e lembranças brotam espontaneamente e, por uma ordenação misteriosa, se agrupam
segundo seus conteúdos, induzindo a reflexão quase que compulsória. Obstinado
em meu propósito de alcançar o silêncio, entro em luta contra essa correnteza
mental; quando imagino ter detido o fluxo das ideias, eis-me envolvido por dilemas,
arrazoando, negando, aprovando, justificando!..
Frustrado, passo a examinar a
natureza dos pensamentos e noto o quanto estão impregnados por algum tipo de
emoção. Entendo, então, que não alcançarei o silêncio interior antes de aquietar
meu mundo emocional. Com essa esperança, começo a reconhecer as motivações mais
íntimas desse torvelinho mental; na raiz dos planos, das convicções, das reminiscências
ou prospecções de futuro, estão os desejos reprimidos, os afetos não
correspondidos, as lembranças mais caras, os medos e as vontades negadas. Mas
ali também estão as crenças infantis, as fantasias de toda ordem, os
preconceitos e os produtos do devaneio. É uma constatação incômoda, mas
necessária, pois não há como dominar o que desconheço. Tenho, pois, que encarar
minhas verdades e recontar minha própria história.
Desse ponto em diante, o mundo mental
vai, aos poucos, cedendo lugar às imagens e sensações do plano emocional.
Quadros vivos, como num teatro mágico, encenam as minhas dores e meus prazeres.
E eu revivo, por instantes, cada momento de angústia ou de contentamento, para
além do tempo e do espaço. Consciência e sentimento se unem e se transmutam em
outra forma de percepção, capaz de transcender a lógica e as palavras. É como
se todas as minhas experiências fossem calcinadas e a cinza resultante
representasse a soma do ato de viver.
O ruído interno começa a diminuir, como
acontece num grande salão de festas que
vai sendo deixado pelos convivas, ao fim do grande baile. Parece-me então que o
desejado silêncio está chegando!..
A sós com a cinza de minhas
experiências, agora sem o assédio insistente dos pensamentos e emoções
desencontradas, meu coração principia a revelar imagens do que sejam os meus
ideais de amor, paz, beleza, justiça, verdade!.. Imagens que brotam do centro do peito, como
se ali estivessem desde sempre, porém aprisionadas pelo arbítrio transitório.
Sim, o amor, a paz, a beleza, a justiça,
a verdade sempre estiveram presentes no meu coração, ainda que eu não me desse
conta! Agora, libertas pelo meu desejo de ser feliz, essas bênçãos primordiais realizam
a divina alquimia. Como borboletas multicores, como rosas e lírios, preenchem com
alegria o vasto salão do meu Eu. A música da paz toma todos os espaços e
ilumina todos os escaninhos dessa empoeirada mansão de mim mesmo!
E assim se faz o Sagrado Silêncio.
Auro
20/4/2018