Luz é uma palavra mágica. Monossílabo onipresente nos anseios de religiosos
e místicos, espiritualistas, intelectuais e artistas, é a síntese da busca da
perfeição, do esclarecimento pleno, da verdade em si. Situa-se no topo das
aspirações da mente humana, como o Graal, cuja posse é a chave dos mistérios,
seja qual for o plano em que a necessidade trafegue. Todos perseguem a Luz,
como mariposas apaixonadas, pois tê-la é redimir-se dos erros decorrentes da
ignorância. Aliás, na linguagem
simbólica, a ignorância é associada às trevas, em oposição à Luz.
Por conta dessa dualidade, a Luz
pode ser tida como sinônimo de felicidade, bem-aventurança, paz; a extinção das
aflições e incertezas, pela contemplação da realidade.
Mas é possível que, no processo
evolutivo, as coisas não sejam exatamente assim. Pode ser que o desejado
encontro com a Luz não traga o contentamento imaginado; antes, provoque uma
dolorosa constatação do acervo de equívocos longamente acalentados. Talvez cause
muito desconforto ao desalojar crenças primitivas e concepções imaturas, que
adquiriram, para seus adeptos, o foro de convicções. Talvez obrigue o buscador
a admitir que, ora por indolência, ora por presunção, acumulou ideias prontas,
cultuando-as como verdades e pautando por estas a sua conduta. Será constrangedor
descobrir-se como o único e negligente causador de suas próprias desditas.
Mas é possível, também, que esse
contraste seja natural e necessário. Os prisioneiros da Caverna de Platão só
enxergavam sombras do mundo exterior, formando dessa visão o seu conceito de
verdade. Permaneceram estagnados nessa condição incompleta até serem conduzidos
à Luz, cujo resplendor os incomodou grandemente nos primeiros momentos. Logo,
porém, reordenaram suas percepções da vida a partir do mundo real que lhes fora
revelado.
“No meio do caminho de nossa vida/ Encontrei-me numa selva obscura/ Que
a estrada reta fora perdida”. Para Dante Alighieri, este foi o momento da cruel
constatação de que, para reencontrar sua amada Beatriz, precisaria cruzar o
abismo da própria ignorância. Entendera que pouco ou nada conhecia, tanto da
Luz que buscava quanto da Treva em que habitava, na placidez da inconsciência. Graças
à Luz, desceu aos infernos e contemplou a crueza dos tormentos reservados aos
incautos. Aprendeu que, em cada pena, existe a raiz de um pecado; e que todos
os pecados não eram mais do que a ausência de Luz!..
E somente após a claridade
ter-lhe revelado os porões da obscuridade espiritual pôde o poeta ascender aos
céus, um a um e, finalmente, reunir-se à pura, casta e Luminosa Beatriz,
selando assim um sonho de amor!
Auro Barreiros
31/12/20’17