sábado, 30 de dezembro de 2017

DILEMA LUMINOSO


Luz é uma palavra mágica. Monossílabo onipresente nos anseios de religiosos e místicos, espiritualistas, intelectuais e artistas, é a síntese da busca da perfeição, do esclarecimento pleno, da verdade em si. Situa-se no topo das aspirações da mente humana, como o Graal, cuja posse é a chave dos mistérios, seja qual for o plano em que a necessidade trafegue. Todos perseguem a Luz, como mariposas apaixonadas, pois tê-la é redimir-se dos erros decorrentes da ignorância.  Aliás, na linguagem simbólica, a ignorância é associada às trevas, em oposição à Luz.

Por conta dessa dualidade, a Luz pode ser tida como sinônimo de felicidade, bem-aventurança, paz; a extinção das aflições e incertezas, pela contemplação da realidade.

Mas é possível que, no processo evolutivo, as coisas não sejam exatamente assim. Pode ser que o desejado encontro com a Luz não traga o contentamento imaginado; antes, provoque uma dolorosa constatação do acervo de equívocos longamente acalentados. Talvez cause muito desconforto ao desalojar crenças primitivas e concepções imaturas, que adquiriram, para seus adeptos, o foro de convicções. Talvez obrigue o buscador a admitir que, ora por indolência, ora por presunção, acumulou ideias prontas, cultuando-as como verdades e pautando por estas a sua conduta. Será constrangedor descobrir-se como o único e negligente causador de suas próprias desditas.

Mas é possível, também, que esse contraste seja natural e necessário. Os prisioneiros da Caverna de Platão só enxergavam sombras do mundo exterior, formando dessa visão o seu conceito de verdade. Permaneceram estagnados nessa condição incompleta até serem conduzidos à Luz, cujo resplendor os incomodou grandemente nos primeiros momentos. Logo, porém, reordenaram suas percepções da vida a partir do mundo real que lhes fora revelado.

No meio do caminho de nossa vida/ Encontrei-me numa selva obscura/ Que a estrada reta fora perdida”. Para Dante Alighieri, este foi o momento da cruel constatação de que, para reencontrar sua amada Beatriz, precisaria cruzar o abismo da própria ignorância. Entendera que pouco ou nada conhecia, tanto da Luz que buscava quanto da Treva em que habitava, na placidez da inconsciência. Graças à Luz, desceu aos infernos e contemplou a crueza dos tormentos reservados aos incautos. Aprendeu que, em cada pena, existe a raiz de um pecado; e que todos os pecados não eram mais do que a ausência de Luz!..

E somente após a claridade ter-lhe revelado os porões da obscuridade espiritual pôde o poeta ascender aos céus, um a um e, finalmente, reunir-se à pura, casta e Luminosa Beatriz, selando assim um sonho de amor!



Auro Barreiros
31/12/20’17