Entre o escrito, o falado e o cantado passei boa parte da vida. Agora, com a bênção do tempo a revisar minhas ideias, desfruto o prazer de compartilhá-las. Seja bem-vindo; navegue,opine. fique à vontade.
segunda-feira, 2 de dezembro de 2019
quinta-feira, 3 de outubro de 2019
LEVEZA
O maestro movimenta a
batuta e os belíssimos acordes de diversos instrumentos preenchem o silêncio do
grande teatro. Delicadas notas de violinos marcam a entrada de uma bailarina,
que evolui até o centro do palco. Movimentos tão elegantes quanto precisos
causam a ilusão de que a esbelta jovem flutua, como pluma ao sabor da brisa.
Cena de puro encantamento, imagem da leveza!..
Leveza: palavra que
envolve um dos aspectos mais problemáticos da vida humana. Leveza lembra
convívio, relacionamento, diferenças... Desafios do cotidiano, que denunciam o
grau de harmonia ou de conflitos na existência de cada um. Diante das
divergências de opinião ou crença, ou no enfrentamento das adversidades, é
comum a recomendação de que se aceite com leveza as diferenças e os reveses.
Mas, afinal, o que vem
a ser essa leveza? Seria a passividade sorridente? Seria o dar de ombros diante
da gravidade dos obstáculos ou do assédio da arrogância? Seria o ato de
minimizar a realidade, ou mesmo ignorá-la, sob o pretexto de buscar a paz?
Voltemos à nossa
bailarina. Seus movimentos desafiam a gravidade; sua leveza é real. Para a
plateia, o sentimento é de que a dança flui, natural e inconscientemente, como
o voo dos pássaros. Eis aí o ledo engano! A artista traz ao palco horas, dias,
meses e anos de dura disciplina, estudo diligente e dolorosos exercícios de
condicionamento físico. O bailado que cativa custou lágrimas e renúncias.
Na vida, como na dança,
a leveza não vem de graça. Na vida, como na dança, há que se corrigir posturas,
aperfeiçoar atitudes e desenvolver o discernimento. Na vida, como na dança, não
se deve confundir leveza com alienação, sob pena de se perder o compasso e
tropeçar nos próprios pés.
Que o homem seja leve. Que
conviva em harmonia com as diferenças, sem que isso lhe cause constrangimento.
Mas, diante da crueldade, da tirania e da agressão ao indefeso, que o homem
seja, antes de tudo, honesto perante a sua verdade.
Que o homem seja leve.
Mas que não faça desse ato de comedimento máscara para dissimular a indiferença
ante as incongruências de conduta, tanto alheias como próprias, tão comuns
quanto nefastas. Que sua leveza não se converta em conivência com a
desonestidade, ou mero comodismo ante o imperativo do progresso ético.
Que o homem seja leve
no trato com as próprias dores. Mas que faça brotar essa leveza da compreensão
íntima da lição contida em cada evento doloroso ou prazeroso da existência.
Leveza não é conformismo.
Leveza não deve ser
hipócrita.
Leveza não é leniência.
Na árdua tarefa de construir
o caráter, virtudes como o bom-senso, o comedimento, a tolerância, a empatia,
são conquistadas a duras penas, ao preço de erros e acertos, derrotas e
vitórias, encantamentos e desenganos. No cadinho do tempo, acontece a fusão das
experiências e a transmutação reveladora da preciosidade da alma que, agora
verdadeiramente leve, assim como a bailarina, evolui plena e bela no tablado da
vida!
Auro
1/10/2019
terça-feira, 3 de setembro de 2019
ECOLOGIA INTERIOR
É inegável que a negligência
em relação ao meio ambiente tem resultado em conseqüências trágicas para o ser
humano. Aos desastres de proporções catastróficas, que mais parecem atos de
rebelião da Natureza, juntam-se os efeitos lentos e silenciosos das diversas
formas de contaminação. Agrotóxicos, depósitos de lixo e a emissão de gases
tóxicos pelas indústrias comprometem três elementos básicos para a manutenção
de toda a vida na Terra: o ar, a água e os alimentos.
A gravidade dos problemas
ambientais, ainda que existente desde o início da civilização, só chegou à
consciência do homem muito recentemente. Agora, além da pesquisa em busca de
métodos para a preservação da natureza, a ciência tem que tentar conter os
efeitos de séculos de práticas destrutivas e contaminantes, que se refletem
tanto no clima quanto no âmago dos organismos vivos, entre os quais está o ser
humano. Este é um dos maiores problemas e desafios da humanidade atual.
Mas, paralelamente à questão
ambiental, que visa o aspecto exterior da vida, o homem moderno enfrenta outro
problema extremamente grave; a contaminação e degradação de seu ambiente
interior. A despeito do extraordinário desenvolvimento intelectual já atingido
(ou talvez por isso mesmo), não há como desconhecer a crise de personalidade
que assedia milhões de pessoas em todo o planeta. O consumo exacerbado de
álcool e drogas é a evidência gritante de que o ser humano ainda tem enorme
dificuldade em lidar consigo mesmo. Se fosse possível traçar o perfil
psicológico de todos os envolvidos em crimes e acidentes de trânsito no momento
de cada ocorrência, certamente descobriríamos em cada infrator um ser
angustiado, em conflito com sua própria natureza íntima. Conheceríamos
histórias de ausência de valores, equívocos e distorções quanto a princípios
éticos, frustrações afetivas, orgulho ferido, sintomas claros de perturbação mental e emocional.
A constatação de que esse caos
interior é, em maior ou menor grau, a condição de parte considerável da
humanidade, evoca a célebre injunção filosófica que foi inscrita no portal do
templo de Apolo, em Delfos: “Conhece-te a ti mesmo.”
O começo e o fim de tudo
estão dentro do próprio eu. É o desconhecimento de si, no sentido essencial, a
matriz de todos os desacertos que o homem comete contra sua própria espécie.
Por ignorar o estreito parentesco com o seu semelhante, o homem tem sido capaz
de malversar recursos naturais em nome do lucro, gerando riscos e sofrimento
aos demais. Por não conceber a existência de uma lei natural equânime e eficaz,
cria seu próprio conceito de justiça e o aplica sempre que se sente traído,
constrangido ou ameaçado. E quando se defronta com os efeitos de suas atitudes,
tenta de todas as formas evitar o sofrimento, quase sempre sem sucesso. É o
meio ambiente interior que reage às agressões e busca o equilíbrio original,
ainda que doa.
Ao mesmo tempo em que preserva
a Natureza ao seu redor, o homem precisa preservar o equilíbrio de seu mundo
mental e emocional. Quinze minutos diários de dedicação a si mesmo costumam ser
mais eficientes para isso do que as inúmeras formas de escapismo que a
modernidade oferece. Contemplar-se diante do espelho da consciência e examinar
pensamentos, sentimentos e atos pelo princípio da reciprocidade pode ser mais
gratificante e produtivo para o crescimento pessoal do que dezenas de livros de
auto-ajuda, tão em voga nos dias de hoje.
A meditação é uma excelente
ferramenta de aprimoramento pessoal, através da elevação da consciência a
níveis superiores. Pela meditação é possível vislumbrar nosso mundo interno,
bem como realizar os ajustes que resultem em maior harmonia com as leis
naturais e cósmicas.
Auro Barreiros
segunda-feira, 2 de setembro de 2019
EQUILÍBRIO E HARMONIA
Quando
conhecemos alguém que raramente comete deslizes, que não se dá a excessos, que
mantém relativo controle sobre suas emoções e evita maiores comprometimentos,
costumamos dizer que se trata de uma pessoa equilibrada. Da mesma forma, o
homem ou a mulher cujo comportamento extrapola os limites do convencional são
vistos como desequilibrados. Mas, afinal, o que é o equilíbrio? Em relação à
vida humana, o que significa essa palavra?
Primeiramente,
consideremos a definição formal de equilíbrio: “Estado de repouso de um corpo solicitado por várias forças que se anulam.
Posição estável do corpo humano. Exibição acrobática. Ponderação, calma,
prudência: equilíbrio de espírito. Justa combinação de forças, de
elementos”. Esta sequência de conceitos
denuncia a velha dificuldade humana quanto às palavras. No primeiro caso, se um objeto qualquer for
submetido a forças iguais em sentidos opostos, permanecerá em equilíbrio, ainda
que debaixo de pressões conflitantes. Na “justa combinação de forças” não se
sabe em que proporção cada força pode ser considerada justa.
Passemos, então, à definição que se refere mais
diretamente ao ser humano: “ponderação, calma, prudência”. Aqui, como podemos ver, o equilíbrio
emocional é conceituado pelo senso comum. Quem aparenta calma é tido como
equilibrado. Na natureza, porém, não é o equilíbrio (equivalência de forças)
que produz movimento e vida, mas exatamente o rompimento dessa equivalência. As
águas correm para o mar porque o mar está abaixo do nível das nascentes. A
energia elétrica aciona máquinas e acende luzes devido à diferença de potencial
entre as polaridades.
Com o ser humano não é diferente. Os potenciais
psíquicos que determinam as manifestações emocionais e criativas permaneceriam
estagnados como um lago, se não existisse um vazio, um declive ou uma “força
oposta” que os obrigasse a fluir. Se nossos atributos espirituais fossem
“submetidos a várias forças que se anulam”, nenhuma produção intelectual,
artística ou humanitária aconteceria. A evolução não aconteceria. Assim,
imaginar que a repressão das emoções, a imposição do autocontrole sejam
demonstrações de equilíbrio é desconhecer as necessidades legítimas da alma: a
livre expressão dos sentimentos, a livre apreciação da realidade, a livre
aceitação ou rejeição daquilo que sua consciência determine.
O estado ideal é aquele em que a vida emocional não
seja regulada pelas convenções, mas pela relação harmônica entre a natureza
exterior e a natureza interior; que possamos nos alegrar com que é belo, bom e prazeroso ou nos entristecermos com o
que seja oposto a tudo isso, com a mesma liberdade, sem que a alegria gere
culpa ou a tristeza seja interpretada como pagamento de pecados.
É evidente que todo excesso é indesejável. Mas o
progressivo conhecimento de nossa própria constituição psíquica nos oferece os
mecanismos de moderação que nos permitam uma vida emocional sadia. A justa
distribuição de nossas forças interiores estabelece a condição que os místicos denominaram
“Harmonium”. Diferentemente do
equilíbrio como oposição de forças com vistas à neutralidade, o “Harmonium” é a
livre, porém ordenada relação entre essas energias, para uma existência plena
de saúde, criatividade e paz no convívio com os semelhantes.
Auro Barreiros
sábado, 10 de agosto de 2019
quinta-feira, 1 de agosto de 2019
O LEGADO DA EXISTÊNCIA
A
humanidade, no seu processo civilizatório, consagrou alguns costumes que
merecem uma análise mais acurada, como, por exemplo, as leis que regulamentam o
destino do espólio, o conjunto de bens que alguém amealhou até o momento de sua
morte. A ideia de herança, provavelmente, é consequência do conceito de família
e das responsabilidades que disso advém; a preocupação com a sobrevivência dos
que ficam ensejou o estabelecimento de normas protetivas de patrimônio e a
regulamentação de partilhas. Apesar das contendas que, muitas vezes,
transformam esse ato solene em batalha campal, a intenção de preservar a
dignidade e os direitos dos familiares justifica o costume, que é lei na maior
parte das nações.
Deixar
uma herança é, para muitos, uma das principais motivações da vida,
especialmente quando na idade madura. A consciência da finitude da jornada
terrena e o temor antecipado de possíveis dificuldades para os familiares levam
o ser humano a sacrificar alguns de seus ideais e a adotar condutas nem sempre
louváveis em relação a negócios e dinheiro.
Um belo
dia, eis que se parte desse vale de lágrimas. Findas as exéquias, abre-se o
testamento e cumpre-se a vontade do falecido, que segue em paz, na premissa de
que seus entes queridos não sofrerão privações, graças ao seu esforço e
sacrifício pessoal, quando em vida. No que diga respeito aos bens palpáveis,
missão cumprida.
Será
esse, porventura, o único ou o maior legado de uma vida? Pode-se estar seguro
de que os bens, o dinheiro, realmente serão a salvaguarda dos que aqui ficam,
em todos os aspectos da existência? Inúmeras histórias de malversação de
formidáveis heranças, de disputas ferrenhas e sangrentas e decadência de
famílias tradicionais colocam em xeque essa ideia de segurança. Ao contrário,
indicam que, na maior das vezes, é justamente o súbito enriquecimento sem labor
o mote para o esbanjamento e a consequente derrocada.
Se há
uma vida além-túmulo, e se de lá é possível observar o que aqui se passa,
certamente, amargas lágrimas têm sido vertidas por aqueles que se negaram a
própria felicidade, no empenho de construir e legar um patrimônio para o bem
dos seus amados. Talvez, ao testemunhar o solene esquecimento que lhes é
votado, almas decepcionadas rememorem os passos dados na Terra e se perguntem,
frustradas, onde teriam errado.
Saindo
da situação individual para o plano coletivo, tenhamos em mente que a
civilização é uma somatória de heranças, que podem ser distintas em três
aspectos: a herança física, cuja prevalescência começa pelo próprio corpo; a
herança cultural, decorrente do acúmulo de saberes que transmigram através das
gerações; e a herança espiritual, que se reflete na busca pela transcendência e
compreensão íntima da natureza do ser. Fisicamente, há leis naturais que, ao
longo das eras, ajustam o ser vivo ao ambiente e às necessidades de
sobrevivência, replicando esses ajustes através da hereditariedade (o nome não
foi escolhido ao acaso). O peludo Neandertal foi se refinando, na medida mesma
das alterações ambientais, até chegar ao que somos hoje. É possível que, daqui
a um ou dois milhões de anos, se não nos destruirmos antes, tenhamos algumas
diferenças físicas em relação ao que somos atualmente.
A
herança cultural, por sua vez, é produto de uma condição particular do ser
humano: a racionalidade. Aparentemente, somos os únicos seres que afetam
deliberadamente o meio em que vivem. Enquanto os animais, ainda que manifestem
inteligência, parecem obedecer a uma programação inconsciente e imutável, como
os pássaros ao construir seus ninhos, o homem manipula e transforma a matéria
segundo seus impulsos criativos. Essas diferenças básicas deram origem a
práticas como a caça, a pesca e, posteriormente, a agricultura, matriz das
primeiras comunidades e embriões de sociedades. Esse mesmo impulso criativo,
movido pelas necessidades e alimentado pela observação, promoveu (como o faz
até hoje), a evolução das práticas que, como um patrimônio imaterial, foram
sucessivamente herdadas e aprimoradas a cada geração. O surgimento da escrita
propiciou uma aceleração no progresso; o conhecimento, agora, poderia ser
registrado e perpetuado.
E a
herança espiritual, quem sabe, teve seu começo ao redor das primeiras
fogueiras. Aquecido e protegido, é possível que o homem primitivo tenha iniciado
ali o exercício das faculdades superiores da mente. Talvez tenha começado a
rememorar seus medos e encantamentos diante dos eventos naturais e esboçado as
primeiras crenças anímicas. Especulação
ou não, o certo é que as crenças primitivas também evoluíram, incorporando-se
ao processo civilizatório e sendo, como todas as demais conquistas,
transmitidas como legado às gerações posteriores. Do simples e quase irracional
temor do raio e do trovão, gradativamente se tornaram religiões organizadas,
com ontologias e dogmas. Chegou-se à filosofia, cuja forma metódica de sondar o
desconhecido findou por somar-se às religiões, aprimorando as doutrinas e
indicando uma finalidade maior: o autoconhecimento.
E então,
descobre-se que o autoconhecimento tem consequências profundas. Conhecer a si
mesmo, que é o alfa e o ômega da espiritualização, obriga o ser humano a
aprimorar seus conceitos de justiça, deixando, gradativamente, o terreno
individual, em favor do pensar coletivo e universal. Sob essa ótica, qual será
a qualidade do legado da humanidade para si mesma?
Antes de
qualquer argumento, é preciso que se estabeleça uma conceituação mais clara do
que vem a ser “civilização”. A palavra vem do latim, “civis”: cidadão, habitante da cidade, do que se depreende que, em
princípio, trata-se de uma consequência da vida coletiva. Para os antigos, isso
era relevante, tendo-se em conta a importância e os benefícios oriundos da
concentração humana em tribos e aldeias, que evoluíram para complexos urbanos.
A consequente organização social trouxe mais facilidade para a produção de
alimentos e bens de consumo; em caso de luta armada, o maior número de pessoas
aptas ao combate poderia ser decisivo na defesa do território. Ou seja, a dita
civilização teve, sob o ponto de vista puramente fenomenológico, raízes bem
pragmáticas.
Mas a
relativa tranquilidade consequente desse convívio “civilizado” fez aflorar
aspectos um tanto subjetivos da natureza humana. A inquietude intelectual
provocou o desenvolvimento das ciências e das artes; a busca espiritual elevou
o pensamento a questionamentos profundos quanto aos mistérios da natureza,
conforme expressados no próprio homem.
No
entanto, ainda que algumas luzes evolutivas brilhassem aqui e ali, certas
práticas animalescas persistiram inalteradas, no cotidiano da alegada
civilização, como se nem o tempo, nem as conquistas da mente tivessem produzido
alguma alteração no caráter primitivo.
Pelo contrário, parece que o progresso do conhecimento potencializou a
barbárie, ao sofisticar a letalidade. O refinamento da linguagem e a
prolixidade das ideologias servem, quase sempre, para oferecer razões aparentemente
plausíveis às guerras e suas consequências diretas ou indiretas: miséria, doença,
segregação, ódio racial, exploração do mais fraco, monopólios de recursos
naturais, rapinância econômica e o embrutecimento da sensibilidade aos valores
mais altos da ética e da justiça. Apenas para ilustrar, há regiões do mundo em
que povos disputam territórios há mais de dois mil anos, ao preço do sangue, numa
cascata de ódio e ressentimento que passa de geração para geração.
Em se
tratando de costumes, não há como dizer de que modo o vício da embriaguez
começou. Pode ter sido uma descoberta casual, que tenha propiciado um prazer
inédito ao homem primitivo. O que se tem de certo são os registros muito
antigos da incorporação de substancias inebriantes a práticas religiosas e ao
cotidiano das velhas civilizações. Ora
como ato de comunhão, ora como inocente recreação, o vinho, por exemplo, é
personagem onipresente em toda a História antiga, tendo presumida origem
divina. Mas, mesmo entre os devotos de Baco, sempre houve quem recomendasse
prudência e comedimento, tendo em vista os efeitos que é capaz de produzir no comportamento e na saúde humana. Como a
euforia etílica costuma ser surda, tais recomendações foram, pouco a pouco,
esquecidas. O alcoolismo progrediu vertiginosamente, abrindo portas para a adoção
do consumo de outras substancias ainda mais lesivas. Juntamente com o
tabagismo, álcool e drogas tornaram-se gravíssimo problema de saúde pública.
Paradoxalmente, porém, algumas das maiores pagadoras de impostos e geradoras de
empregos são, ironicamente, fábricas de bebidas e cigarros! O tráfico, por sua
vez, movimenta trilhões de dólares com o vício típicamente urbano do uso de
inebriantes, narcóticos, estupefacientes e alucinógenos, numa destruição
sistemática de lares e vidas.
A lista
de paradoxos e contradições em relação ao que se convencionou denominar
civilização é um pouco extensa. Sem obscurecer o progresso inegável, as nobres
conquistas nos diversos campos, não há como fechar os olhos para a realidade
que nos assedia cotidianamente, graças ao evoluído sistema moderno de
comunicações. E também não há como deixar de reconhecer que os verdadeiros
problemas que atormentam a humanidade são os mesmos de milênios atrás. O ponto
focal, portanto, é a questão inicial
dessa reflexão: qual é o legado que a humanidade está deixando para si mesma?
Pode ser
que encarar essas realidades gritantes tenha o dom de esvair esperanças e
alimentar um conformismo cínico. Isso é perigoso, pois induz a falsa premissa
de que o indivíduo é impotente diante da derrocada coletiva, restando-lhe
apenas “seguir a corrente” e compartilhar as dores do mundo. Pode ser que, pela
magnitude do caos moral, o indivíduo se exima de maiores responsabilidades e
até aceite passivamente o andar da carruagem. E, nessa conjuntura, é preciso
ter em mente que a evolução coletiva é efeito da evolução individual. A mesma
História que registra as incoerências e atrocidades humanas também informa que,
em todas as épocas, houve indivíduos que influenciaram coletividades. As
conquistas morais e espirituais de uns poucos têm sido o fermento para
formidáveis aprimoramentos na sociedade. Logo, a inércia de um povo não
sanciona a inércia pessoal. Mas a soma dos esforços individuais faz girar a
roda do progresso.
Provavelmente,
esse deve ser o grande e melhor legado, tanto da civilização, como um todo,
quanto do indivíduo, como parte indissociável desse todo. Que o espólio de cada
ser humano, ao término da jornada terrena, seja o produto de seus esforços na
construção da própria personalidade. Que os valores imateriais cultivados
possam servir de farol ético à sucessiva geração; valores que se multiplicam na
proporção em que são utilizados na economia da vida. Equanimidade, respeito a
tudo, busca incansável do conhecimento, pensamento e ação voltados para o bem
coletivo, cultura da Paz; valores cujo tamanho não se mede senão pelas
consequências que geram onde são aplicados.
“Uma
alma que se eleva, eleva o mundo inteiro”.[1]
Auro
Barreiros
25/2/2019
terça-feira, 15 de janeiro de 2019
CRÔNICAS DE NEANDERTHAL
Crônicas de
Neanderthal
(ou “No
tempo dos dinossauros falantes”)
No
princípio, era a pedra.
Lascada,
polida,
Que, se
arremessada,
Feria de
morte.
E as pedras
rolaram,
Se sofisticaram,
No curso das
eras.
Agora ligeiras,
Precisas,
Letais,
Como nunca o
foram,
Jamais,
Não mais
abatem feras;
Abatem princípios
Morais.
Auro
15/1/2019
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