terça-feira, 3 de setembro de 2019

ECOLOGIA INTERIOR



É inegável que a negligência em relação ao meio ambiente tem resultado em conseqüências trágicas para o ser humano. Aos desastres de proporções catastróficas, que mais parecem atos de rebelião da Natureza, juntam-se os efeitos lentos e silenciosos das diversas formas de contaminação. Agrotóxicos, depósitos de lixo e a emissão de gases tóxicos pelas indústrias comprometem três elementos básicos para a manutenção de toda a vida na Terra: o ar, a água e os alimentos.

A gravidade dos problemas ambientais, ainda que existente desde o início da civilização, só chegou à consciência do homem muito recentemente. Agora, além da pesquisa em busca de métodos para a preservação da natureza, a ciência tem que tentar conter os efeitos de séculos de práticas destrutivas e contaminantes, que se refletem tanto no clima quanto no âmago dos organismos vivos, entre os quais está o ser humano. Este é um dos maiores problemas e desafios da humanidade atual.

Mas, paralelamente à questão ambiental, que visa o aspecto exterior da vida, o homem moderno enfrenta outro problema extremamente grave; a contaminação e degradação de seu ambiente interior. A despeito do extraordinário desenvolvimento intelectual já atingido (ou talvez por isso mesmo), não há como desconhecer a crise de personalidade que assedia milhões de pessoas em todo o planeta. O consumo exacerbado de álcool e drogas é a evidência gritante de que o ser humano ainda tem enorme dificuldade em lidar consigo mesmo. Se fosse possível traçar o perfil psicológico de todos os envolvidos em crimes e acidentes de trânsito no momento de cada ocorrência, certamente descobriríamos em cada infrator um ser angustiado, em conflito com sua própria natureza íntima. Conheceríamos histórias de ausência de valores, equívocos e distorções quanto a princípios éticos, frustrações afetivas, orgulho ferido, sintomas claros de perturbação mental e emocional.

A constatação de que esse caos interior é, em maior ou menor grau, a condição de parte considerável da humanidade, evoca a célebre injunção filosófica que foi inscrita no portal do templo de Apolo, em Delfos: “Conhece-te a ti mesmo.” 

O começo e o fim de tudo estão dentro do próprio eu. É o desconhecimento de si, no sentido essencial, a matriz de todos os desacertos que o homem comete contra sua própria espécie. Por ignorar o estreito parentesco com o seu semelhante, o homem tem sido capaz de malversar recursos naturais em nome do lucro, gerando riscos e sofrimento aos demais. Por não conceber a existência de uma lei natural equânime e eficaz, cria seu próprio conceito de justiça e o aplica sempre que se sente traído, constrangido ou ameaçado. E quando se defronta com os efeitos de suas atitudes, tenta de todas as formas evitar o sofrimento, quase sempre sem sucesso. É o meio ambiente interior que reage às agressões e busca o equilíbrio original, ainda que doa.

Ao mesmo tempo em que preserva a Natureza ao seu redor, o homem precisa preservar o equilíbrio de seu mundo mental e emocional. Quinze minutos diários de dedicação a si mesmo costumam ser mais eficientes para isso do que as inúmeras formas de escapismo que a modernidade oferece. Contemplar-se diante do espelho da consciência e examinar pensamentos, sentimentos e atos pelo princípio da reciprocidade pode ser mais gratificante e produtivo para o crescimento pessoal do que dezenas de livros de auto-ajuda, tão em voga nos dias de hoje.

A meditação é uma excelente ferramenta de aprimoramento pessoal, através da elevação da consciência a níveis superiores. Pela meditação é possível vislumbrar nosso mundo interno, bem como realizar os ajustes que resultem em maior harmonia com as leis naturais e cósmicas.




Auro Barreiros



segunda-feira, 2 de setembro de 2019

EQUILÍBRIO E HARMONIA




Quando conhecemos alguém que raramente comete deslizes, que não se dá a excessos, que mantém relativo controle sobre suas emoções e evita maiores comprometimentos, costumamos dizer que se trata de uma pessoa equilibrada. Da mesma forma, o homem ou a mulher cujo comportamento extrapola os limites do convencional são vistos como desequilibrados. Mas, afinal, o que é o equilíbrio? Em relação à vida humana, o que significa essa palavra?

Primeiramente, consideremos a definição formal de equilíbrio: “Estado de repouso de um corpo solicitado por várias forças que se anulam. Posição estável do corpo humano. Exibição acrobática. Ponderação, calma, prudência: equilíbrio de espírito. Justa combinação de forças, de elementos”.  Esta sequência de conceitos denuncia a velha dificuldade humana quanto às palavras.  No primeiro caso, se um objeto qualquer for submetido a forças iguais em sentidos opostos, permanecerá em equilíbrio, ainda que debaixo de pressões conflitantes. Na “justa combinação de forças” não se sabe em que proporção cada força pode ser considerada justa.
Passemos, então, à definição que se refere mais diretamente ao ser humano: “ponderação, calma, prudência”.  Aqui, como podemos ver, o equilíbrio emocional é conceituado pelo senso comum. Quem aparenta calma é tido como equilibrado. Na natureza, porém, não é o equilíbrio (equivalência de forças) que produz movimento e vida, mas exatamente o rompimento dessa equivalência. As águas correm para o mar porque o mar está abaixo do nível das nascentes. A energia elétrica aciona máquinas e acende luzes devido à diferença de potencial entre as polaridades.

Com o ser humano não é diferente. Os potenciais psíquicos que determinam as manifestações emocionais e criativas permaneceriam estagnados como um lago, se não existisse um vazio, um declive ou uma “força oposta” que os obrigasse a fluir. Se nossos atributos espirituais fossem “submetidos a várias forças que se anulam”, nenhuma produção intelectual, artística ou humanitária aconteceria. A evolução não aconteceria. Assim, imaginar que a repressão das emoções, a imposição do autocontrole sejam demonstrações de equilíbrio é desconhecer as necessidades legítimas da alma: a livre expressão dos sentimentos, a livre apreciação da realidade, a livre aceitação ou rejeição daquilo que sua consciência determine.

O estado ideal é aquele em que a vida emocional não seja regulada pelas convenções, mas pela relação harmônica entre a natureza exterior e a natureza interior; que possamos nos alegrar com que é belo,  bom e prazeroso ou nos entristecermos com o que seja oposto a tudo isso, com a mesma liberdade, sem que a alegria gere culpa ou a tristeza seja interpretada como pagamento de pecados.

É evidente que todo excesso é indesejável. Mas o progressivo conhecimento de nossa própria constituição psíquica nos oferece os mecanismos de moderação que nos permitam uma vida emocional sadia. A justa distribuição de nossas forças interiores estabelece a condição que os místicos denominaram “Harmonium”.  Diferentemente do equilíbrio como oposição de forças com vistas à neutralidade, o “Harmonium” é a livre, porém ordenada relação entre essas energias, para uma existência plena de saúde, criatividade e paz no convívio com os semelhantes.


Auro Barreiros