Embora bem menos aparelhado para o
combate do que a grande maioria dos animais, o homem é, talvez, o mais belicoso
de todos. Desde a idade da Pedra, guerrear, para ele, é tão ou mais importante
que viver. Lutava-se por comida, por cavernas, por fêmeas (estas, desde então,
já costumavam ser o centro de enormes conflitos). No entanto, é até
compreensível que, “num mundo de feras e de presas”, a sobrevivência tivesse
por preço a violência.
Porém, à medida que o intelecto
expandia suas fronteiras, as motivações da guerra adquiriam novas nuances. Já
não se combatia apenas por si, mas pela prole ou pela tribo. Não eram
defendidas apenas a comida e as cavernas, mas uma embrionária unidade social.
E assim foi durante muito tempo na
História da evolução humana. Até que, finalmente organizados como nações,
habitando cidades e ostentando admirável articulação de idéias, os humanos
(nós) começaram a fazer da guerra uma atividade emblemática. O guerreiro passou
a ser não apenas o defensor dos interesses pátrios, mas o ícone da juventude e
orgulho da sociedade, tanto quanto sua espada fosse capaz de fazer estragos.
Mas, como os inimigos também cresciam em número e truculência, o bom-senso
criou a política, como ardilosa mediadora, capaz de estabelecer pontes entre os
inconciliáveis.
Só que nem mesmo a política foi
suficiente para aplacar a sanha guerreira da humanidade. Assim, muitas vezes em
meio a mais modorrenta paz, um repentino tinir de ferros anunciava o retorno
daquela que nunca havia se ausentado. Para que isso acontecesse era
imprescindível um motivo justo. E os motivos mais estapafúrdios, infantis ou
hipócritas deram ensejo às mais horrendas batalhas e carnificinas registradas
pela História.
Nos tempos bíblicos, por exemplo,
uma simples desobediência a alguma lei religiosa motivava verdadeiros
massacres, como os que teria promovido Moisés durante a travessia do deserto,
conduzindo o povo hebreu. Por algumas inocentes noites de amor entre uns poucos
casais de tribos diferentes, mais de vinte mil foram passados a fio de espada (Números,
25, 1 a 9).
Às guerras de conquista, destinadas a ampliar fronteiras, sucederam as guerras
religiosas. Estas tinham razões de ordem subjetiva; meu deus é maior ou mais
verdadeiro que o deus do meu vizinho.
A Idade Média, também chamada Idade das
Trevas, foi grandemente prolífica em guerras santas. A primeira a ganhar
notoriedade foi a repressão aos Cátaros, simplesmente por não interpretarem as
Doutrinas cristãs da forma prescrita pela Igreja Católica da época. Não
concordar, naquele tempo, equivalia a ser inimigo, e os Cátaros foram
sucessivamente massacrados por exércitos organizados pela coroa e pelo clero,
até seu completo extermínio. Acredita-se que mais de 60.000 morreram apenas na
primeira investida, contra a aldeia de Bèzier, norte da França. Posteriormente,
após a Reforma, novos conflitos entre católicos e protestantes marcaram indelevelmente
a memória dos povos europeus. E tudo porque Lutero não concordava com a venda
de indulgências e outras inexplicáveis atividades remuneradas em nome da fé.
Os tronos, ah, os tronos!.. O
insopitável desejo de assentar-se em um deles já rendeu pelejas memoráveis,
desde os tempos do Império Romano ou certamente desde muito antes. Parentes que
assassinavam parentes, filhos que envenenavam pais, sobrinhos que apunhalavam
tios, etc, etc...
E a era moderna, plena de
conhecimento e civilização, nos brinda com um desequilibrado que cisma em
purificar a espécie humana. Como? Simples. Se não for “ariano”, mate-o. Com
essa lógica milhões de judeus foram para as câmaras de gás, sem falar nos
milhares de combatentes de diversas nações que se envolveram na Segunda Grande
Guerra e pereceram nos campos de batalha.
Imaginem a situação: uma cidade
milenar, algumas vezes invadida e vilipendiada, cuja história se confunda com a
saga de três das maiores correntes religiosas do planeta. Essa é Jerusalém,
sagrada para judeus, que ali tiveram seus reis e profetas; para cristãos, que a
têm como palco dos acontecimentos mais significativos da vida de seu
inspirador; e para muçulmanos, que também afirmam que por ali andou o seu
profeta maior. Nada de mais, se entre todos reinasse a sadia tolerância. Mas a
chamada Cidade Santa é, desde longa data, o cenário de sangrentas provas de
fanatismo, oriundas de todas as facções, tanto e de tal forma que, provavelmente,
ninguém por lá saberia explicar com clareza o motivo de tão acirrado ódio.
E ainda tem o petróleo. O
combustível da modernidade, se por um lado veio facilitar a vida e trazer algum
conforto, por outro lado é uma das mais freqüentes causas de vergonhosas
invasões sob pretextos cabulosos e não-provados. Vide a recente “guerra” no
Iraque, patranha capitalista ainda entalada na garganta de muita gente.
Mas a pior de todas as guerras é
aquela que se faz para girar os estoques de armamentos. Afinal, o comércio
depende do consumo e, para haver consumo é preciso que haja procura. E se a
procura não acontece naturalmente, os “senhores da guerra” dão uma forcinha,
fazendo uma intriga aqui, derrubando um governo ali, assassinando um líder
político acolá e fomentando o patriotismo cego das massas. É a lei do mercado.
A vida humana? Apenas um detalhe.
Auro Barreiros
10/8/2009