sexta-feira, 8 de junho de 2018

O POR DO SOL



O POR DO SOL

"Há mais mistérios entre o céu e a terra do que supõe a nossa vã filosofia!" 
(William Shakespeare)

O que torna tão melancólico o entardecer; será o abrandamento da luz diurna, tingindo o espaço com infinitos matizes?
Talvez a brisa, cansada de girar o mundo, testemunhando risos e lágrimas, anseie por compartilhar histórias e sentimentos. Talvez o coração, tocado pelo festival de ternura gratuita, se entregue despercebidamente ao doce enlevo da reflexão, entrevendo multidões de espíritos navegantes do vento, porta-vozes dos dramas e comédias do cotidiano.

Não sei.

Seja como for, o certo é que hoje me peguei pensando em surdina, como se meus pensamentos fizessem parte de uma segunda natureza; como se outro "eu" temesse dar-lhes forma e sentido, receando descobrir neles a minha própria realidade.

Pensava no dia-a-dia de um ser humano comum. Alguém com deveres e direitos, posses e carências, desejos e temores, emaranhados de tal forma que, repetidas vezes, fazem com que seus atos e pensares tomem rumos divergentes, provocando com isso, quase sempre, amargura e tédio.

Às vezes me parece que as pessoas, ao feitio das ostras, encerram-se na concha de seus desencontrados anseios. Um oceano de vida turbilhona ao seu redor, medindo infinitas léguas de esperança, mas, apenas a extrema dor ou o extremo prazer tem o dom de entreabrir-lhes a concha. E me entristeço ao imaginar que a paz e a realização interior podem bater-lhes inutilmente à porta, já que a auto-piedade os ensurdece a tudo o que não seja o objeto de seus desejos reprimidos!
Não lhes ocorre que, a despeito de seu egocentrismo, o Sol ainda nasce ao Leste, dispensando generosamente o sagrado influxo da Vida ao mais modesto ser, tanto quanto a ministros e reis; e que, após vivificar a Terra e os homens, e antes de repousar no Poente, doura o céu com a luz do crepúsculo, oferecendo ao espírito uma fonte de introspecção, que conduz a mente a recordar, meditar e perceber que, embora muitos não saibam ou não aceitem, cada um é parte de um grande Todo. Que a Luz, a Vida e o Amor estão em nós, assim como no ar que respiramos; que a Sublime Essência que nos anima interliga todos os seres, como os galhos de uma árvore.

Se ouvirmos o coração, sentiremos que as dores e alegrias dos outros também são nossas; nada existe isoladamente!

Talvez por isso é que hoje, ao por do Sol, pensando nos que amo e naqueles que sequer conheço, fiquei um pouco triste; por quê, não sei ao certo.

Deve ser a brisa, ou o canto dos pássaros regressando aos ninhos, ou a pálida Luz do Sol Poente, ou, quem sabe, o sussurro dos espíritos vagantes...

Mistérios.




(Minha casa, 15 de janeiro de l997)
                  
                                            Auro