O
POR DO SOL
"Há
mais mistérios entre o céu e a terra do que supõe a nossa vã filosofia!"
(William Shakespeare)
O que torna tão melancólico o entardecer; será o abrandamento da luz
diurna, tingindo o espaço com infinitos matizes?
Talvez a brisa, cansada de girar o mundo, testemunhando risos e
lágrimas, anseie por compartilhar histórias e sentimentos. Talvez o coração, tocado pelo festival de ternura gratuita, se entregue
despercebidamente ao doce enlevo da reflexão, entrevendo multidões de espíritos
navegantes do vento, porta-vozes dos dramas e comédias do cotidiano.
Não sei.
Seja como for, o certo é que hoje me peguei pensando em surdina, como se
meus pensamentos fizessem parte de uma segunda natureza; como se outro
"eu" temesse dar-lhes forma e sentido, receando descobrir neles a
minha própria realidade.
Pensava no dia-a-dia de um ser humano comum. Alguém com deveres e
direitos, posses e carências, desejos e temores, emaranhados de tal forma que,
repetidas vezes, fazem com que seus atos e pensares tomem rumos divergentes,
provocando com isso, quase sempre, amargura e tédio.
Às
vezes me parece que as pessoas, ao feitio das ostras, encerram-se na concha de
seus desencontrados anseios. Um oceano de vida turbilhona ao seu redor, medindo
infinitas léguas de esperança, mas, apenas a extrema dor ou o extremo prazer
tem o dom de entreabrir-lhes a concha. E me entristeço ao imaginar que a paz e
a realização interior podem bater-lhes inutilmente à porta, já que a
auto-piedade os ensurdece a tudo o que não seja o objeto de seus desejos
reprimidos!
Não lhes ocorre que, a despeito de seu egocentrismo, o Sol ainda nasce
ao Leste, dispensando generosamente o sagrado influxo da Vida ao mais modesto
ser, tanto quanto a ministros e reis; e que, após vivificar a Terra e os
homens, e antes de repousar no Poente, doura o céu com a luz do crepúsculo,
oferecendo ao espírito uma fonte de introspecção, que conduz a mente a recordar,
meditar e perceber que, embora muitos não saibam ou não aceitem, cada um é
parte de um grande Todo. Que a Luz, a Vida e o Amor estão em nós, assim como no
ar que respiramos; que a Sublime Essência que nos anima interliga todos os
seres, como os galhos de uma árvore.
Se ouvirmos o coração, sentiremos que as dores e alegrias dos outros
também são nossas; nada existe isoladamente!
Talvez por isso é que hoje, ao por do Sol, pensando nos que amo e
naqueles que sequer conheço, fiquei um pouco triste; por quê, não sei ao certo.
Deve
ser a brisa, ou o canto dos pássaros regressando aos ninhos, ou a pálida Luz do
Sol Poente, ou, quem sabe, o sussurro dos espíritos vagantes...
Mistérios.
(Minha casa, 15 de janeiro de l997)
Auro