domingo, 18 de maio de 2014

ECOS DA SOLITUDE


Viver é uma bênção.

Mas é uma bênção fugidia, volátil como os perfumes que a brisa matutina espalha. Efêmera como o ressoar de uma nota musical, cuja matriz pode ter sido um violino nas mãos de um virtuose ou uma gota de orvalho sobre uma lata vazia. Algo que nem bem começa e já se aproxima do epílogo a passos largos como só o tempo sabe caminhar.

Como o pescador de pérolas, que precisa realizar seu perigoso trabalho no curto período que determina o alento recolhido no peito, parece que a gente mergulha no mar da existência e tenta abarcar tantas vivências permita o quinhão de vida com que cada um é agraciado. E como são incontáveis as experiências que o viver oferece, a cada passo um novo mistério, uma nova surpresa, outro desafio e lá vamos nós à arena, como se o momento presente resumisse toda a razão de ser. 

Compartilhamos o grande palco da vida com outros tantros incontáveis atores, que assim como nós, mergulharam neste oceano. E com eles encenamos o majestoso drama, farto de lágrimas e risos, conciliações e disputas, nobreza e vilania, amor e ódio, bem ao estilo controverso e prolixo do ser humano.

E porque a visão é curta e a memória fraca, nos apaixonamos pelo que vivenciamos com a paixão dos romances, ao ponto de consumir o quinhão de vida em ressentimentos e quimeras.

Mas a vida, como disse, é uma bênção fugaz; diáfana como o Véu de Ísis, encobre o portal do desconhecido. Imponderável como a chama que só se vê enquanto presa ao candeeiro que a sustém, em um momento está e no outro, nunca esteve.

E então, no exaurir do sopro que nos fez brilhar como chama de uma vela, finda a cena ao cair do pano.

O que vem agora? Nova temporada? Outra peça com o mesmo e já experimentado elenco? Quem o sabe?

A vida é uma bênção.



Auro Barreiros

Janeiro de 2014



UNIDADE



Ainda que a Ciência afirme, e mesmo que a fé faça pressentir;

E apesar do justificado crédito àquela porção da mente que costumamos denominar “razão”, é saudável para o homem desconfiar das verdades absolutas, das convicções inabaláveis, das plenas certezas e argumentos irrefutáveis.

Faz bem à alma deixar as janelas abertas e consentir que a luz, o vento e os murmúrios do Cosmo circulem livremente pelos corredores de sua consciência, despertando lembranças e propondo aventuras pelo inexplorado campo do próprio Eu. 

Faz bem à alma subir a montanha de sua condição mundana a fim de contemplar o horizonte a partir de um plano mais elevado. Ainda que o esforço seja extenuante, desalentador e incômodo, a paisagem compensa toda a aridez da escalada.

Uma vez descortinada a vastidão do ignoto universo interior, dúvidas e certezas se dissolvem na comunhão com o Mistério.

E o resto é silêncio.



Auro Barreiros

6/1/2014

sábado, 17 de maio de 2014

LIBERDADE E NATUREZA




Afinal, o que é liberdade?

Para os antigos gregos, “eleutheria” era a palavra que definia o poder de movimento sem restrição externa. Liberdade, portanto, equivalia a “poder”. O homem livre era aquele que poderia se mover ou agir segundo sua vontade, sem a ingerência de qualquer senhor ou lei.

Já a palavra alemã “freiheit”, de onde se originou o vocábulo “freedom” em inglês, significa, literalmente, “pescoço livre” e refere-se ao grilhão em forma de coleira que era colocado no pescoço dos escravos ou prisioneiros. Igualmente aos gregos, o conceito era “ausência de impedimentos”.

Para os romanos, “libertas” queria dizer “independência”, que resumia o pensamento grego. 

No entanto, gregos e romanos considerados livres deviam obediência às hierarquias militares ou sociais (reis, césares, generais), o que já delimitava a abrangência de sua liberdade e estabelecia uma contradição ao conceito em sua essência. A liberdade ideal esbarrava (e ainda esbarra) na ordem social das coletividades.

Podemos chegar a conclusões razoáveis em relação à liberdade, enquanto sob um enfoque ético-moral. Mas todos os conceitos convergem para um estado relativo de liberdade, ora condicionado à conjuntura social, ora justificado pelas limitações humanas. 

Se imaginarmos o homem como um ponto e o universo como um círculo, teremos o campo de liberdade estabelecido pelos limites da circunferência. Se, como Pitágoras, definirmos o Cosmo como um círculo cujo centro está em toda parte e a circunferência no infinito, teremos o homem usufruindo a liberdade total, ampla e irrestrita. Isso, claro, se só existisse um homem no cosmo, como o eremita da resposta à questão. Mas, se houver outro homem, esse infinito deverá ser dividido por dois e as vontades antagônicas terão que ser confinadas aos limites da “circunferência de liberdade” de cada um. É o fim da independência individual, pois alguns procedimentos regular-se-ão mutuamente. Como vemos, bastou apenas mais um indivíduo para complicar as elucubrações filosóficas.

Multipliquemos os indivíduos e os representemos por pontos dentro de círculos, tal e qual o primeiro de nossa alegoria. Rapidamente, cada circunferência terá que reduzir seu tamanho para dar espaço à outra (a liberdade do vizinho), de modo que teremos uma verdadeira malha de círculos e pontos, a sociedade humana. E quanto mais essa malha se expande, mais o espaço de liberdade individual se contrai, em função dos direitos e deveres coletivos. Ainda assim, dentro do espaço entre o ponto e a circunferência individual é possível se exercer a liberdade de ação, embora limitada. 

Note-se, porém, que, geometricamente, círculos não se encaixam uns nos outros, como acontece com quadrados ou hexágonos. Sempre resta entre eles um espaço que poderia simbolizar a liberdade coletiva; o ponto de adequação das liberdades individuais visando a harmonia de convivência. Neste campo neutro constrói-se uma regulamentação de conduta que suprime algumas liberdades individuais e dimensiona outras, buscando a harmonia social. É a moral (de “mores”, costumes).

Até aqui falamos de liberdade no sentido ético-moral e sua estruturação na sociedade humana. Mas, em relação às leis naturais, existe liberdade, conforme definida pela filosofia?

Pode o homem impor sua vontade aos fundamentos da vida? 

Comecemos a refletir desde o corpo em que habitamos. Podemos mover nossos braços e pernas, caminharmos nesta ou naquela direção, expressar os pensamentos pela fala. Aparentemente, estamos exercendo pleno livre-arbítrio. Voltemos agora a observação para o interior de nosso corpo; qual é a nossa ingerência, por exemplo, sobre o processo de degeneração e regeneração celular? Podemos, por simples ato da vontade, parar de envelhecer? Em nosso peito há um órgão que pulsa desde o ventre materno e continuará pulsando até o fim da existência terrena. Temos algum poder sobre este órgão, a ponto de determinar que funcione ou pare, a nosso bel-prazer? Temos alguma consciência das complexas combinações de elementos que ocorrem diuturnamente no corpo, nas glândulas endócrinas, no sangue, nos tecidos? 

O que é o pensamento? Bem, costuma-se dizer que é um atributo do espírito. Porém, o que sucede aos atributos espirituais quando são mergulhados na carne? 

A psicologia tem proposto teorias quanto à formação do pensamento a partir da interação entre sensações objetivas e a percepção subjetiva. Provavelmente os pensamentos têm raízes nas impressões que estão arquivadas além do alcance da consciência objetiva. Para avaliar isso, basta que tentemos dissecar um pensamento, separando o conteúdo racional do emotivo. Logo veremos que um e outro estão sempre imiscuídos, em diferentes proporções. O que nos dá prazer ou sofrimento, em nível físico ou emocional, forma parâmetros pelos quais o raciocínio trafega e se elabora, resultando no que costumamos denominar convicções ou crenças. Assim, a liberdade do pensamento é regulada pelos limites impostos por convicções e crenças. Portanto, o homem pode usufruir esta forma de liberdade na medida de seu autoconhecimento, do que decorre que uns ampliam seus horizontes e outros se escravizam aos próprios conceitos.

A busca do ideal de liberdade deve se pautar em princípios básicos; a liberdade coletiva ou social, por exemplo, é necessariamente auto-regulada pelos interesses dos próprios indivíduos. É dessa regulamentação que nasce a moral. Os costumes (mores) que trazem bem-estar, prazer e ordem à coletividade são permitidos e aprovados, à exclusão das práticas capazes de abalar a estabilidade social, independentemente de sua qualidade. 

É a diferença entre o pecado e a proibição; nem tudo o que é proibido é pecaminoso, e o inverso também é verdadeiro.

A liberdade individual, no entanto, se fundamenta em três aspectos indissociáveis; o físico, o mental e o psíquico. Fisicamente, aplica-se bem o conceito grego de “eleutheria”. É desejável que possamos nos movimentar sobre a Terra, sem cerceamentos ou obstáculos intencionais de outrem. Mas isso também vale para o próximo.

Mentalmente, é preciso reconhecer que os obstáculos ao livre – pensar, ainda que instigados pelo mundo exterior, são criados ou aceitos pelo indivíduo, no uso ou na omissão de seu arbítrio. O questionamento, a reflexão e a instrução devem ser praticados rotineiramente, como exercícios fortalecedores da estrutura mental. Com o questionamento as informações e experiências passam por um crivo de aferição e podem ser mais bem assimiladas. Com a reflexão, acontece o discernimento, que separa os elementos da experiência e possibilita uma compreensão mais íntima da realidade. Com a instrução, aumenta o acervo de parâmetros pelos quais devem passar o questionamento e a reflexão. Pode-se, então, conceber a liberdade mental como o domínio da consciência sobre o conteúdo da experiência.

Psíquicamente, a liberdade está condicionada ao autoconhecimento. É dito que somos seres racionais, porém é pelo campo emocional que percebemos a vida. As impressões emocionais de qualquer ordem têm o dom de atingir o recesso do subconsciente e ali alojar-se, passando a determinar comportamentos e crenças. É preciso que nos livremos das superstições, mas não basta uma leitura elevada e esclarecedora para atingir as raízes dessa conduta irracional. O campo psíquico só conhece uma linguagem; a emoção. Um antídoto para a superstição tem que ter a mesma intensidade emocional das impressões que formaram a raiz das superstições. É preciso romper a barreira dos medos e preconceitos interiores; figuradamente, tirar o esqueleto do baú e contemplar demoradamente cada osso, até que essa contemplação não cause mais qualquer agitação em seu mundo emocional. 

Depois de vencidas a superstição, as crendices e os vícios internos, abre-se um espaço a ser preenchido com as emoções positivas; entusiasmo, alegria, afetividade, impulso criativo, energias em perfeita sintonia com a lei que rege a natureza e o Cosmo. O resultado é a renovação da atitude mental e da forma de sentir a vida. É quando o homem começa a viver a liberdade interior, que melhor se traduz por “harmonia”.

Desse ponto em diante, já não se ambiciona o direito de “fazer o que quiser”, sem quaisquer impedimentos, pois, o que era de suma importância para o homem cativo de si mesmo perde o significado para quem ousou confrontar o próprio íntimo e realmente alcançou a liberdade espiritual. A vida deixa de ser um fardo, uma cruz ou provação e passa a ser compreendida como prodigioso campo de aquisição de conhecimento e prestação de serviço.


Auro Barreiros

18/2/2013

OFICINA DE MARCENEIRO


SONHADOR



REPENTE DE REPENTE (O INOMINÁVEL)


UMA COISA É BEIJAR A BELA MUSA