sábado, 17 de maio de 2014

LIBERDADE E NATUREZA




Afinal, o que é liberdade?

Para os antigos gregos, “eleutheria” era a palavra que definia o poder de movimento sem restrição externa. Liberdade, portanto, equivalia a “poder”. O homem livre era aquele que poderia se mover ou agir segundo sua vontade, sem a ingerência de qualquer senhor ou lei.

Já a palavra alemã “freiheit”, de onde se originou o vocábulo “freedom” em inglês, significa, literalmente, “pescoço livre” e refere-se ao grilhão em forma de coleira que era colocado no pescoço dos escravos ou prisioneiros. Igualmente aos gregos, o conceito era “ausência de impedimentos”.

Para os romanos, “libertas” queria dizer “independência”, que resumia o pensamento grego. 

No entanto, gregos e romanos considerados livres deviam obediência às hierarquias militares ou sociais (reis, césares, generais), o que já delimitava a abrangência de sua liberdade e estabelecia uma contradição ao conceito em sua essência. A liberdade ideal esbarrava (e ainda esbarra) na ordem social das coletividades.

Podemos chegar a conclusões razoáveis em relação à liberdade, enquanto sob um enfoque ético-moral. Mas todos os conceitos convergem para um estado relativo de liberdade, ora condicionado à conjuntura social, ora justificado pelas limitações humanas. 

Se imaginarmos o homem como um ponto e o universo como um círculo, teremos o campo de liberdade estabelecido pelos limites da circunferência. Se, como Pitágoras, definirmos o Cosmo como um círculo cujo centro está em toda parte e a circunferência no infinito, teremos o homem usufruindo a liberdade total, ampla e irrestrita. Isso, claro, se só existisse um homem no cosmo, como o eremita da resposta à questão. Mas, se houver outro homem, esse infinito deverá ser dividido por dois e as vontades antagônicas terão que ser confinadas aos limites da “circunferência de liberdade” de cada um. É o fim da independência individual, pois alguns procedimentos regular-se-ão mutuamente. Como vemos, bastou apenas mais um indivíduo para complicar as elucubrações filosóficas.

Multipliquemos os indivíduos e os representemos por pontos dentro de círculos, tal e qual o primeiro de nossa alegoria. Rapidamente, cada circunferência terá que reduzir seu tamanho para dar espaço à outra (a liberdade do vizinho), de modo que teremos uma verdadeira malha de círculos e pontos, a sociedade humana. E quanto mais essa malha se expande, mais o espaço de liberdade individual se contrai, em função dos direitos e deveres coletivos. Ainda assim, dentro do espaço entre o ponto e a circunferência individual é possível se exercer a liberdade de ação, embora limitada. 

Note-se, porém, que, geometricamente, círculos não se encaixam uns nos outros, como acontece com quadrados ou hexágonos. Sempre resta entre eles um espaço que poderia simbolizar a liberdade coletiva; o ponto de adequação das liberdades individuais visando a harmonia de convivência. Neste campo neutro constrói-se uma regulamentação de conduta que suprime algumas liberdades individuais e dimensiona outras, buscando a harmonia social. É a moral (de “mores”, costumes).

Até aqui falamos de liberdade no sentido ético-moral e sua estruturação na sociedade humana. Mas, em relação às leis naturais, existe liberdade, conforme definida pela filosofia?

Pode o homem impor sua vontade aos fundamentos da vida? 

Comecemos a refletir desde o corpo em que habitamos. Podemos mover nossos braços e pernas, caminharmos nesta ou naquela direção, expressar os pensamentos pela fala. Aparentemente, estamos exercendo pleno livre-arbítrio. Voltemos agora a observação para o interior de nosso corpo; qual é a nossa ingerência, por exemplo, sobre o processo de degeneração e regeneração celular? Podemos, por simples ato da vontade, parar de envelhecer? Em nosso peito há um órgão que pulsa desde o ventre materno e continuará pulsando até o fim da existência terrena. Temos algum poder sobre este órgão, a ponto de determinar que funcione ou pare, a nosso bel-prazer? Temos alguma consciência das complexas combinações de elementos que ocorrem diuturnamente no corpo, nas glândulas endócrinas, no sangue, nos tecidos? 

O que é o pensamento? Bem, costuma-se dizer que é um atributo do espírito. Porém, o que sucede aos atributos espirituais quando são mergulhados na carne? 

A psicologia tem proposto teorias quanto à formação do pensamento a partir da interação entre sensações objetivas e a percepção subjetiva. Provavelmente os pensamentos têm raízes nas impressões que estão arquivadas além do alcance da consciência objetiva. Para avaliar isso, basta que tentemos dissecar um pensamento, separando o conteúdo racional do emotivo. Logo veremos que um e outro estão sempre imiscuídos, em diferentes proporções. O que nos dá prazer ou sofrimento, em nível físico ou emocional, forma parâmetros pelos quais o raciocínio trafega e se elabora, resultando no que costumamos denominar convicções ou crenças. Assim, a liberdade do pensamento é regulada pelos limites impostos por convicções e crenças. Portanto, o homem pode usufruir esta forma de liberdade na medida de seu autoconhecimento, do que decorre que uns ampliam seus horizontes e outros se escravizam aos próprios conceitos.

A busca do ideal de liberdade deve se pautar em princípios básicos; a liberdade coletiva ou social, por exemplo, é necessariamente auto-regulada pelos interesses dos próprios indivíduos. É dessa regulamentação que nasce a moral. Os costumes (mores) que trazem bem-estar, prazer e ordem à coletividade são permitidos e aprovados, à exclusão das práticas capazes de abalar a estabilidade social, independentemente de sua qualidade. 

É a diferença entre o pecado e a proibição; nem tudo o que é proibido é pecaminoso, e o inverso também é verdadeiro.

A liberdade individual, no entanto, se fundamenta em três aspectos indissociáveis; o físico, o mental e o psíquico. Fisicamente, aplica-se bem o conceito grego de “eleutheria”. É desejável que possamos nos movimentar sobre a Terra, sem cerceamentos ou obstáculos intencionais de outrem. Mas isso também vale para o próximo.

Mentalmente, é preciso reconhecer que os obstáculos ao livre – pensar, ainda que instigados pelo mundo exterior, são criados ou aceitos pelo indivíduo, no uso ou na omissão de seu arbítrio. O questionamento, a reflexão e a instrução devem ser praticados rotineiramente, como exercícios fortalecedores da estrutura mental. Com o questionamento as informações e experiências passam por um crivo de aferição e podem ser mais bem assimiladas. Com a reflexão, acontece o discernimento, que separa os elementos da experiência e possibilita uma compreensão mais íntima da realidade. Com a instrução, aumenta o acervo de parâmetros pelos quais devem passar o questionamento e a reflexão. Pode-se, então, conceber a liberdade mental como o domínio da consciência sobre o conteúdo da experiência.

Psíquicamente, a liberdade está condicionada ao autoconhecimento. É dito que somos seres racionais, porém é pelo campo emocional que percebemos a vida. As impressões emocionais de qualquer ordem têm o dom de atingir o recesso do subconsciente e ali alojar-se, passando a determinar comportamentos e crenças. É preciso que nos livremos das superstições, mas não basta uma leitura elevada e esclarecedora para atingir as raízes dessa conduta irracional. O campo psíquico só conhece uma linguagem; a emoção. Um antídoto para a superstição tem que ter a mesma intensidade emocional das impressões que formaram a raiz das superstições. É preciso romper a barreira dos medos e preconceitos interiores; figuradamente, tirar o esqueleto do baú e contemplar demoradamente cada osso, até que essa contemplação não cause mais qualquer agitação em seu mundo emocional. 

Depois de vencidas a superstição, as crendices e os vícios internos, abre-se um espaço a ser preenchido com as emoções positivas; entusiasmo, alegria, afetividade, impulso criativo, energias em perfeita sintonia com a lei que rege a natureza e o Cosmo. O resultado é a renovação da atitude mental e da forma de sentir a vida. É quando o homem começa a viver a liberdade interior, que melhor se traduz por “harmonia”.

Desse ponto em diante, já não se ambiciona o direito de “fazer o que quiser”, sem quaisquer impedimentos, pois, o que era de suma importância para o homem cativo de si mesmo perde o significado para quem ousou confrontar o próprio íntimo e realmente alcançou a liberdade espiritual. A vida deixa de ser um fardo, uma cruz ou provação e passa a ser compreendida como prodigioso campo de aquisição de conhecimento e prestação de serviço.


Auro Barreiros

18/2/2013

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