A humanidade, em todas as épocas, sempre se preocupou com o futuro. Aliás, a História demonstra que, quanto mais civilização e conseqüente sofisticação intelectual, maiores as elucubrações em torno do que seriam os tempos vindouros.
Em todas as religiões essa preocupação gerou mensagens escatológicas, umas aterradoras, como o Apocalipse bíblico, outras alvissareiras e paradisíacas. Mas, é ponto passivo que a conduta humana é fator preponderante na realização de tais profecias; a maldade, a iniqüidade, a corrupção, a apostasia, dentre outras atitudes indesejáveis, causariam a precipitação dos castigos divinos e a subseqüente seleção, que separaria os justos dos pecadores, premiando uns com a bem-aventurança eterna e outros com a danação eterna ou a destruição. Esta forma de crer e pensar é, ainda nos dias atuais, o sustentáculo de fé para milhões de pessoas, que se esforçam em ser fiéis às doutrinas que professam, com vistas à paz e felicidade eternas na Jerusalém Celeste ou o seu equivalente.
Mas, com o progresso do pensamento, mentes especulativas passaram a contemplar um futuro mais próximo e terreno. A filosofia, como esforço de desvendar as causas primeiras, impulsionou o homem ao aperfeiçoamento de conceitos éticos, tirando-os do campo da fé e situando-os na esfera da razão e do direito. Um ser humano não deve causar prejuízo à liberdade ou à vida de outro, não apenas em função de um dogma religioso (portanto inquestionável), mas também porque contraria o princípio ético da igualdade. Ainda que, em seu íntimo, alimente a esperança de um céu por recompensa à sua bondade, as conseqüências de uma atitude igualitária e respeitosa são mais imediatas e objetivas; a criação e manutenção de um estado de convivência harmoniosa, de que resultam benefícios concretos, como a construção de uma sociedade próspera e segura.
Expressões como “Nova Era”, “Novo Mundo”, são pejorativamente empregadas por mentes fundamentalistas da atualidade. Em torno desses títulos formaram-se mirabolantes teorias conspiratórias, que envolvem desde sociedades secretas e satânicas até extraterrestres, que, mancomunados a dirigentes mundiais, estariam governando subterraneamente o planeta, na tentativa de implantar seu domínio e extinguir os valores que se tem por certos, emanados das religiões e doutrinas tradicionais. Por conta dessas conspirações, há uma verdadeira mobilização no sentido de prevenir ou imunizar os rebanhos, protegendo-os contra a tão temida Nova Era.
Antes de qualquer tomada de posição, é preciso que se conceitue claramente o que é chamado de “Nova Era”. É uma forma definida de governo? É uma religião, ou doutrina? É uma filosofia, como a platônica, que alterou a face intelectual do mundo? Nota-se que a grande preocupação das religiões é centrada na figura de Satanás, como o mentor de idéias capazes de corromper a alma do homem e aprisioná-lo definitivamente às trevas. Satanás seria o grande chefe de todos os movimentos que, de uma forma ou de outra, buscam a renovação dos costumes e crenças com vistas a um planeta fraterno, solidário e tolerante. E esta seria a primeira incoerência a ser anotada nos movimentos contrários à “Nova Era”; Satanás trabalhando contra si mesmo, ao defender valores que, tradicionalmente, são originários do Bem.
É preciso que percebamos um fato inconteste: a “Nova Era”, como um distante e predeterminado tempo vindouro, não existe. Todos os dias, quando abrimos a janela para o Sol, uma nova era está começando, pois, ao nos deitarmos na noite anterior, não seriamos capazes de afirmar com certeza que chegaríamos ao dia seguinte. Nossa capacidade premonitória é por demais limitada para isso. Mas nos levantamos, cumprimos a rotina da vida e, ao nosso modo, semeamos o amanhã. Essa compreensão conduz a outra constatação importante: a qualidade do que se planta define a qualidade do que se colhe. O futuro individual e coletivo é fundamentado nessa lei.
Assim, não apenas uma religião, ou fraternidade, ou partido político estão construindo a Nova Era; todo ser humano, por ação ou por omissão, está incluso nessa obra. Nossas atitudes individuais, perante nós mesmos, ou em relação aos que nos rodeiam, geram reações e condições que, direta ou indiretamente, agem no todo da sociedade. A tolerância ou intolerância de cada um é o tempero que pode tornar a vida agradável ou intragável.
O pastor que convence o seu rebanho a cuidar dos mais necessitados, em nome da fé, está construindo o novo mundo. Mas o corrupto, o criminoso que fere os direitos alheios e produz dor e sofrimento, também está semeando o novo mundo. Pode parecer paradoxal, mas, lembremo-nos que uma das qualidades que se costuma atribuir a Deus é a Justiça. Portanto, não seria justo imaginar que a tarefa de reformar o mundo ficasse nas costas de um homem ou de um grupo, para que todos os demais usufruíssem benefícios pelos quais não lutaram. Logo, a responsabilidade por um mundo melhor é de todos, ainda que nem todos estejam conscientes disso.
Se, daqui a algumas décadas ou séculos, o planeta em que vivemos estiver muito melhor; se houver paz e justiça, se todas as crenças e ideais conviverem harmoniosamente, se a dor não for mais provocada pela maldade, palmas pra nós. Seremos vitoriosos, por ter conseguido conquistar coletivamente um estado ideal de vida.
Mas, se a “Nova Era” for a ampliação do despotismo atual, se a crueldade e o desrespeito forem a tônica do comportamento, se os direitos forem ignorados em nome do fanatismo e da arrogância, trazendo com isso a decepção, a descrença e o sofrimento físico e moral, não culpemos a nenhum Satanás por isso, pois seremos nós, os seres humanos, os únicos responsáveis pelos espinhos que plantarmos.
Portanto, é recomendável que avaliemos os conceitos e convicções enquanto “estamos a caminho”, enquanto ainda há tempo de corrigir a rota e escolher a semente. É oportuno que se revejam as crenças e atitudes, na medida em que afetem o semelhante. Todo ideal de mundo melhor que esteja vinculado à adoção de um sistema de crer e pensar, à exclusão dos demais, está fadado ao insucesso, pois, na condição de seres racionais em processo evolutivo, cada um percebe a realidade segundo sua própria capacidade atual. Por outro lado, uma sociedade sem balizas éticas tem poucas chances de estabelecer uma relação de paz entre seus componentes. Encontrar o ponto de equilíbrio é o grande desafio para o homem, na construção da desejada Nova Era.
Auro Barreiros – 20/3/2011