Estamos vivendo dias eleitoreiros. Na caça aos votos, os
candidatos desdobram-se no esforço de convencimento. É quando a expressão “poder
da palavra” ganha nova dimensão, para além da subjetividade filosófica. Na arte
de angariar apoiadores, o discurso bem articulado é fundamental.
E por falar em fundamentos, quais são os alicerces que
sustentam o discurso proselitista?
Primeiramente, para fins práticos, vamos estabelecer uma
classificação simples para os tipos de discursos.
Temos a fala do idealismo, cujo apelo é a compreensão de
valores éticos. Descortina uma visão utópica, levando o ouvinte à concepção de
uma vida tão perfeita quanto a natureza humana seja capaz de conquistar,
individual e coletivamente.
Há, porém, a proposta tecnicista, que tenta demonstrar, em
termos práticos e com o patrimônio da experiência, a margem de viabilidade dos
projetos de futuro.
Tanto uma quanto a outra abordagem cobram, para entendimento
e possível aceitação, um esforço intelectual; demandam análise, pesquisa,
referências e comparações, para que o convencimento esteja vinculado à razão,
ainda que emocionalmente, toquem a sensibilidade e despertem esperanças.
Por fim, temos o mais poderoso e temerário tipo de discurso:
o populismo. Os fundamentos do discurso populista, embora mesclados aos toques
decorativos do intelecto, estão assentados no que há de mais primitivo na
psique humana; o medo, a fé, o ódio, com seus desdobramentos e nuances, formam um
substrato quase irresistível de convencimento.
Tomemos o medo como o pilar central da construção do discurso
populista: você já passou fome? Já sentiu o estômago doer, ciente de que não
teria alimento? Se a resposta é sim, é pouco provável que deseje passar
novamente por essa experiência. Você tem medo da fome. Nada de errado, pois
todo ser vivo sofre ao ser privado de seu sustento. E o populista, o que faz
com o seu medo da fome? Ele o reforça, pintando um quadro calamitoso, identifica
culpados e promete lutar pelo seu direito a refeições dignas, desde que possa
contar com o seu apoio.
Você já viveu algum episódio de violência? Já foi assaltado,
ou presenciou algum crime? Se sim, você teme a violência. Aliás, mesmo nunca
tendo sido alvo direto de ações violentas, você as testemunha, todos os dias,
em todos os meios de comunicação. E isso amedronta, preocupa e faz pensar na
segurança dos seus. O populista entende muito bem o seu sentimento; ele o
transforma em promessa de campanha, levando a crer que, com ele, você estará
seguro (desde que o apoie, pois ele, e só ele tem a competência para enfrentar
o problema da violência).
Fome, insegurança, desemprego, doença, são faces do medo subconsciente
que todos temos da dor e do sofrimento moral. Sentimentos que se sobrepõem à
racionalidade e vulnerabilizam as pessoas, forçando-as a permanecer girando em
torno do momento presente. Por conta do medo o homem se torna refratário ao
idealismo. Seus projetos, de curto alcance, visam à obtenção de uma seguridade
mínima, como a aranha que tece uma teia com o fim específico de capturar
insetos e se alimentar. Em uma palavra,
isso é o fisiologismo em seu estágio mais elementar. O populista compreende
esse processo. Ele o potencializa, focando o discurso nos objetos do medo. E como
o faz?
Uma das formas de alimentar o sentimento de esperança é a construção de
expressões conhecidas como “palavras de ordem”. Na Idade Média, por exemplo,
uma pequena frase foi o estopim da mais demorada e sangrenta campanha de guerra
que se conhece. “Deus o quer”, bradou emocionado o Papa Urbano II, diante de
uma multidão ensandecida pelo ódio aos muçulmanos que ocupavam a Terra
Santa. “Deus o quer”, gritava Pedro, o
Eremita, circulando entre os revoltados aldeões. Em poucos segundos, todos
gritavam “Deus o quer!” e ali mesmo se engajavam na luta armada, originando as
Cruzadas, que ensanguentaram a Europa.
Mas, para haver luta, precisa-se de inimigo. E então, o líder
populista usa o expediente do maniqueísmo. Principia por identificar os
responsáveis, segundo ele, pela crise atual. Normalmente, esses responsáveis
são os opositores políticos. A seguir, trata de demonizá-los, segundo a lógica maniqueísta
de “luz e trevas”. Assim, brota o mais deletério
elemento da manipulação populista: o ódio.
O ódio é uma mistura irracional de todos os sentimentos de
medo, que se personifica no opositor. O “outro” é o causador das desventuras
individuais transportadas ao coletivo. Tem que ser rejeitado, desprezado,
desqualificado e, em última instância, destruído. Essa é a lógica implícita do
discurso populista, ainda que o autor da fala não o admita. A dissimulação
também faz parte do jogo.
Caudilhos, líderes, heróis, salvadores da pátria, são
personagens do imaginário infantil, daquele tempo em que, quando em desvantagem
nas brigas de rua, a gente corria contar pro papai ou pro irmão mais velho, na
esperança de que alguém tomasse as nossas dores. Crescemos, nos tornamos adultos e nos é
imputada uma carga de responsabilidades pessoais. Teoricamente, não há mais
lugar para o pensamento infantil de “vou contar pro meu pai”. Mas o
subconsciente, às vezes, é traiçoeiro; basta que alguém use as palavras-chave e
toque nos pontos sensíveis de nossa experiência, para que, sem perceber, nos
peguemos repetindo palavras de ordem e alimentando expectativas de mudança. Esse
é o sustentáculo dos políticos profissionais. Graças a essa característica da
mente humana, muitos inúteis perpetuam-se em cargos públicos.
Mas, como dissemos, estamos em tempo de eleições. Diante dessa
reflexão, há perguntas que se pode fazer a si mesmo:
Qual é o discurso do meu
candidato? É um idealismo utópico, sem alicerces definidos?
É um tecnicismo
frio, onde tudo se resume a dados, estatísticas e percentuais?
Leva em conta as
carências individuais do caráter humano?
Estabelece pilares de honestidade,
transparência, impessoalidade, justiça social?
É tendencioso, na direção de
suas crenças particulares?
É fundamentado exclusivamente nos erros dos
adversários?
É conciliador?
A soma de suas propostas aponta para um estado de
paz e justiça?
Há respeito humano em suas atitudes e ideias?
É um discurso
tolerante, plural e sereno?
É alarmista?
É tranquilizador?
Reflitamos.
E boas eleições!
Auro Barreiros
10/9/2018