segunda-feira, 10 de setembro de 2018

O PALANQUE




Estamos vivendo dias eleitoreiros. Na caça aos votos, os candidatos desdobram-se no esforço de convencimento. É quando a expressão “poder da palavra” ganha nova dimensão, para além da subjetividade filosófica. Na arte de angariar apoiadores, o discurso bem articulado é fundamental.

E por falar em fundamentos, quais são os alicerces que sustentam o discurso proselitista?

Primeiramente, para fins práticos, vamos estabelecer uma classificação simples para os tipos de discursos.
Temos a fala do idealismo, cujo apelo é a compreensão de valores éticos. Descortina uma visão utópica, levando o ouvinte à concepção de uma vida tão perfeita quanto a natureza humana seja capaz de conquistar, individual e coletivamente.
Há, porém, a proposta tecnicista, que tenta demonstrar, em termos práticos e com o patrimônio da experiência, a margem de viabilidade dos projetos de futuro.
Tanto uma quanto a outra abordagem cobram, para entendimento e possível aceitação, um esforço intelectual; demandam análise, pesquisa, referências e comparações, para que o convencimento esteja vinculado à razão, ainda que emocionalmente, toquem a sensibilidade e despertem esperanças.
Por fim, temos o mais poderoso e temerário tipo de discurso: o populismo. Os fundamentos do discurso populista, embora mesclados aos toques decorativos do intelecto, estão assentados no que há de mais primitivo na psique humana; o medo, a fé, o ódio, com seus desdobramentos e nuances, formam um substrato quase irresistível de convencimento.

Tomemos o medo como o pilar central da construção do discurso populista: você já passou fome? Já sentiu o estômago doer, ciente de que não teria alimento? Se a resposta é sim, é pouco provável que deseje passar novamente por essa experiência. Você tem medo da fome. Nada de errado, pois todo ser vivo sofre ao ser privado de seu sustento. E o populista, o que faz com o seu medo da fome? Ele o reforça, pintando um quadro calamitoso, identifica culpados e promete lutar pelo seu direito a refeições dignas, desde que possa contar com o seu apoio.

Você já viveu algum episódio de violência? Já foi assaltado, ou presenciou algum crime? Se sim, você teme a violência. Aliás, mesmo nunca tendo sido alvo direto de ações violentas, você as testemunha, todos os dias, em todos os meios de comunicação. E isso amedronta, preocupa e faz pensar na segurança dos seus. O populista entende muito bem o seu sentimento; ele o transforma em promessa de campanha, levando a crer que, com ele, você estará seguro (desde que o apoie, pois ele, e só ele tem a competência para enfrentar o problema da violência).

Fome, insegurança, desemprego, doença, são faces do medo subconsciente que todos temos da dor e do sofrimento moral. Sentimentos que se sobrepõem à racionalidade e vulnerabilizam as pessoas, forçando-as a permanecer girando em torno do momento presente. Por conta do medo o homem se torna refratário ao idealismo. Seus projetos, de curto alcance, visam à obtenção de uma seguridade mínima, como a aranha que tece uma teia com o fim específico de capturar insetos e se alimentar.  Em uma palavra, isso é o fisiologismo em seu estágio mais elementar. O populista compreende esse processo. Ele o potencializa, focando o discurso nos objetos do medo. E como o faz? 

Uma das formas de alimentar o sentimento de esperança é a construção de expressões conhecidas como “palavras de ordem”. Na Idade Média, por exemplo, uma pequena frase foi o estopim da mais demorada e sangrenta campanha de guerra que se conhece. “Deus o quer”, bradou emocionado o Papa Urbano II, diante de uma multidão ensandecida pelo ódio aos muçulmanos que ocupavam a Terra Santa.  “Deus o quer”, gritava Pedro, o Eremita, circulando entre os revoltados aldeões. Em poucos segundos, todos gritavam “Deus o quer!” e ali mesmo se engajavam na luta armada, originando as Cruzadas, que ensanguentaram a Europa.

Mas, para haver luta, precisa-se de inimigo. E então, o líder populista usa o expediente do maniqueísmo. Principia por identificar os responsáveis, segundo ele, pela crise atual. Normalmente, esses responsáveis são os opositores políticos. A seguir, trata de demonizá-los, segundo a lógica maniqueísta de “luz e trevas”.  Assim, brota o mais deletério elemento da manipulação populista: o ódio.

O ódio é uma mistura irracional de todos os sentimentos de medo, que se personifica no opositor. O “outro” é o causador das desventuras individuais transportadas ao coletivo. Tem que ser rejeitado, desprezado, desqualificado e, em última instância, destruído. Essa é a lógica implícita do discurso populista, ainda que o autor da fala não o admita. A dissimulação também faz parte do jogo.

Caudilhos, líderes, heróis, salvadores da pátria, são personagens do imaginário infantil, daquele tempo em que, quando em desvantagem nas brigas de rua, a gente corria contar pro papai ou pro irmão mais velho, na esperança de que alguém tomasse as nossas dores.  Crescemos, nos tornamos adultos e nos é imputada uma carga de responsabilidades pessoais. Teoricamente, não há mais lugar para o pensamento infantil de “vou contar pro meu pai”. Mas o subconsciente, às vezes, é traiçoeiro; basta que alguém use as palavras-chave e toque nos pontos sensíveis de nossa experiência, para que, sem perceber, nos peguemos repetindo palavras de ordem e alimentando expectativas de mudança. Esse é o sustentáculo dos políticos profissionais. Graças a essa característica da mente humana, muitos inúteis perpetuam-se em cargos públicos.

Mas, como dissemos, estamos em tempo de eleições. Diante dessa reflexão, há perguntas que se pode fazer a si mesmo: 


Qual é o discurso do meu candidato? É um idealismo utópico, sem alicerces definidos? 
É um tecnicismo frio, onde tudo se resume a dados, estatísticas e percentuais? 
Leva em conta as carências individuais do caráter humano? 
Estabelece pilares de honestidade, transparência, impessoalidade, justiça social? 
É tendencioso, na direção de suas crenças particulares? 
É fundamentado exclusivamente nos erros dos adversários? 
É conciliador? 
A soma de suas propostas aponta para um estado de paz e justiça? 
Há respeito humano em suas atitudes e ideias? 
É um discurso tolerante, plural e sereno? 
É alarmista? 
É tranquilizador?

Reflitamos.
E boas eleições!



Auro Barreiros

10/9/2018