Dizem que a vida é como
o rio; desde a
nascente, serpenteando sobre a terra, cavando seu leito, arrastando o que não
lhe resista o peso das águas, seguindo um roteiro comum aos rios, busca o mar. Dizem
ainda que o rio não se repete: a correnteza de agora não é a mesma de momentos
antes, nem será a mesma momentos depois.
Dizem também que o rio
é como a vida, que
brota da intimidade do mistério e flui sobre o leito do tempo. Feito água,
altera a paisagem que a cerca, provocando em quem vive marcas de dor e prazer,
encontros e desencontros, chegadas e partidas. Tal e qual o rio, a vida busca o mar de sua
própria origem e natureza. E, à semelhança da correnteza, chega ao destino
trazendo consigo vestígios indeléveis das aventuras e desventuras da jornada.
Talvez esta seja a razão da impermanência. Pode ser que a
duração da experiência tenha a ver com a velocidade da correnteza da vida. E por serem os sentidos e sentimentos
confinados ao leito do tempo, o eterno de agora, em algum momento do depois,
passa a ser lembrança do que se foi.
Mas a lembrança... O
que é a lembrança? Na
transitoriedade do fluir da vida, o que é a memória? Que sortilégio faz com que
dor e prazer, ódio e amor, amargura e felicidade permaneçam em algum canto do
coração, com o mesmo viço e as mesmas emoções, como se dias e horas não mais
prevaleçam sobre a consciência? Ali, bem diante da alma, estão os gestos, as
palavras, olhares e afetos; basta um pequeno impulso do sentir, a contemplação
de um retrato, as notas de uma velha melodia e eis que se abrem as janelas da
recordação, cortinas de um teatro que encena a história de cada um.
Talvez a memória seja uma pequena porção de eternidade na
finitude do existir. Talvez o oceano primordial da vida seja feito de
incontáveis memórias de tantos rios que correm para o mar.
Talvez!..
Auro
30/01/2018