terça-feira, 30 de janeiro de 2018

ENCONTRO DAS ÁGUAS


Dizem que a vida é como o rio; desde a nascente, serpenteando sobre a terra, cavando seu leito, arrastando o que não lhe resista o peso das águas, seguindo um roteiro comum aos rios, busca o mar. Dizem ainda que o rio não se repete: a correnteza de agora não é a mesma de momentos antes, nem será a mesma momentos depois.

Dizem também que o rio é como a vida, que brota da intimidade do mistério e flui sobre o leito do tempo. Feito água, altera a paisagem que a cerca, provocando em quem vive marcas de dor e prazer, encontros e desencontros, chegadas e partidas.  Tal e qual o rio, a vida busca o mar de sua própria origem e natureza. E, à semelhança da correnteza, chega ao destino trazendo consigo vestígios indeléveis das aventuras e desventuras da jornada.

Talvez esta seja a razão da impermanência. Pode ser que a duração da experiência tenha a ver com a velocidade da correnteza da vida.  E por serem os sentidos e sentimentos confinados ao leito do tempo, o eterno de agora, em algum momento do depois, passa a ser lembrança do que se foi.

Mas a lembrança... O que é a lembrança? Na transitoriedade do fluir da vida, o que é a memória? Que sortilégio faz com que dor e prazer, ódio e amor, amargura e felicidade permaneçam em algum canto do coração, com o mesmo viço e as mesmas emoções, como se dias e horas não mais prevaleçam sobre a consciência? Ali, bem diante da alma, estão os gestos, as palavras, olhares e afetos; basta um pequeno impulso do sentir, a contemplação de um retrato, as notas de uma velha melodia e eis que se abrem as janelas da recordação, cortinas de um teatro que encena a história de cada um.

Talvez a memória seja uma pequena porção de eternidade na finitude do existir. Talvez o oceano primordial da vida seja feito de incontáveis memórias de tantos rios que correm para o mar.

Talvez!..



Auro
30/01/2018