NUMA ALDEIA
encravada no sopé de alta montanha, à entrada de verdejante vale, um jovem
completava suas dezoito primaveras. Dono de rara lucidez, pressentia uma razão
mais alta para a vida; impulsos interiores de busca a uma meta indefinível, a
insatisfação resultante da faina rotineira, vez por outra assaltavam seu
coração.
Nesse dia,
decidiu-se. Iria sair do vale, em busca de grandes cidades, onde,
provavelmente, encontraria o campo adequado à expansão do espírito. Sua forte
personalidade por certo o ajudaria a vencer os percalços do caminho.
Quando
ocorreu-lhe este pensamento, já às portas de saída de sua aldeia natal, o jovem
estacou. “Personalidade”, repetiu ele; o que é isso, realmente?”
Inseguro,
voltou à casa e dirigiu-se ao genitor. “Pai, antes de partir, peço que me
explique o que é personalidade.”
O velho
contemplou amorosamente o filho e disse-lhe:
“Segue pela
estrada um lavrador em sua carroça, carregada com o produto de meses de
trabalho duro. Lutador incansável, porém um tanto imprevidente, acondicionou
mal a carga de cereais que pretende levar ao mercado. De momento a momento, um
pouco de trigo cai na estrada.
A alguns passos
atrás, outro homem segue, abaixando-se aqui e ali para apanhar o trigo que cai
do veículo à frente. Este não planta nem colhe, só junta o que o descuidado
perde.
À sombra de uma
árvore, outro personagem contempla o prejuízo do trabalhador e a atividade do
oportunista. Este também não planta nem colhe: nem mesmo junta o que sobra.
Limita-se a condenar o aproveitador ao mesmo tempo em que critica o
trabalhador, enquanto se rói por dentro, com inveja de ambos!”
Ante o olhar
perplexo e interrogativo do moço, esclarece o idoso pai:
“A
personalidade é como um cristal de inúmeras facetas, das quais lhe
apresentei três, que são matrizes de
todas as outras: a Virtude, o Egoísmo e a Mediocridade. É preciso
compreendê-las, para que o homem não se perca pelo fanatismo ou pela inércia”.
Quem almeja a
Virtude e teima em negar a existência da desonestidade, mesmo tendo uma vida
produtiva, pode amargar a desventura de ver-se ludibriado pelos oportunistas. E
os aproveitadores costumam ser surpreendidos pela privação, caso não aprendam a
garantir o próprio sustento.
Já o indolente
muito lucraria se procurasse buscar para si a felicidade que tanto inveja nos
outros!
Portanto, se
quiser formar uma personalidade útil ao seu progresso, tempere a virtude com a
sagacidade, para não deitar pérolas aos porcos! Adestre-se na percepção para
usufruir digna e moderadamente as benesses que a Providência oferece ao homem.
Procure crescer
no discernimento, adoçando a vida com a tolerância e a compreensão para que,
mesmo reconhecendo no próximo a perfídia e astúcia, proteja sua paz abstendo-se
de julgar!
.......
Após longo
silêncio, o bondoso pai estende a mão e aponta o céu, depois a estrada e
despede-se do filho:
“Agora, vá e
faça seu caminho, trace seu destino, escreva sua história; o mundo é seu!”
24/07/86
Auro
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