O maestro movimenta a
batuta e os belíssimos acordes de diversos instrumentos preenchem o silêncio do
grande teatro. Delicadas notas de violinos marcam a entrada de uma bailarina,
que evolui até o centro do palco. Movimentos tão elegantes quanto precisos
causam a ilusão de que a esbelta jovem flutua, como pluma ao sabor da brisa.
Cena de puro encantamento, imagem da leveza!..
Leveza: palavra que
envolve um dos aspectos mais problemáticos da vida humana. Leveza lembra
convívio, relacionamento, diferenças... Desafios do cotidiano, que denunciam o
grau de harmonia ou de conflitos na existência de cada um. Diante das
divergências de opinião ou crença, ou no enfrentamento das adversidades, é
comum a recomendação de que se aceite com leveza as diferenças e os reveses.
Mas, afinal, o que vem
a ser essa leveza? Seria a passividade sorridente? Seria o dar de ombros diante
da gravidade dos obstáculos ou do assédio da arrogância? Seria o ato de
minimizar a realidade, ou mesmo ignorá-la, sob o pretexto de buscar a paz?
Voltemos à nossa
bailarina. Seus movimentos desafiam a gravidade; sua leveza é real. Para a
plateia, o sentimento é de que a dança flui, natural e inconscientemente, como
o voo dos pássaros. Eis aí o ledo engano! A artista traz ao palco horas, dias,
meses e anos de dura disciplina, estudo diligente e dolorosos exercícios de
condicionamento físico. O bailado que cativa custou lágrimas e renúncias.
Na vida, como na dança,
a leveza não vem de graça. Na vida, como na dança, há que se corrigir posturas,
aperfeiçoar atitudes e desenvolver o discernimento. Na vida, como na dança, não
se deve confundir leveza com alienação, sob pena de se perder o compasso e
tropeçar nos próprios pés.
Que o homem seja leve. Que
conviva em harmonia com as diferenças, sem que isso lhe cause constrangimento.
Mas, diante da crueldade, da tirania e da agressão ao indefeso, que o homem
seja, antes de tudo, honesto perante a sua verdade.
Que o homem seja leve.
Mas que não faça desse ato de comedimento máscara para dissimular a indiferença
ante as incongruências de conduta, tanto alheias como próprias, tão comuns
quanto nefastas. Que sua leveza não se converta em conivência com a
desonestidade, ou mero comodismo ante o imperativo do progresso ético.
Que o homem seja leve
no trato com as próprias dores. Mas que faça brotar essa leveza da compreensão
íntima da lição contida em cada evento doloroso ou prazeroso da existência.
Leveza não é conformismo.
Leveza não deve ser
hipócrita.
Leveza não é leniência.
Na árdua tarefa de construir
o caráter, virtudes como o bom-senso, o comedimento, a tolerância, a empatia,
são conquistadas a duras penas, ao preço de erros e acertos, derrotas e
vitórias, encantamentos e desenganos. No cadinho do tempo, acontece a fusão das
experiências e a transmutação reveladora da preciosidade da alma que, agora
verdadeiramente leve, assim como a bailarina, evolui plena e bela no tablado da
vida!
Auro
1/10/2019