sexta-feira, 17 de setembro de 2010

CRONOS E EU (O memorável encontro)

                  

Eu gostava muito de filosofar. Sentencioso, meu prazer maior consistia em tornar públicas minhas conclusões quanto a questões ainda insolvidas, como a origem da vida, a natureza do espírito, os limites do Universo e a existência de Deus. Horas insones mergulhava eu no milenar, insondável e caótico  oceano das empoeiradas tradições místicas, esotéricas e religiosas, questionando Hermes (o Três Vezes Grande), justapondo Tomás de Aquino a Eliphas Levi, ponderando gravemente sobre Zoroastro (ou Zaratustra, se preferirem), ou anatematizando o Corão e algumas duvidosas doutrinas orientalistas, para depois reunir a platéia e proferir o “meu” veredito sobre o trabalho de meus velhos e ilustres colegas de arte.
Tanto os elogios quanto as inevitáveis contestações “em nível de” equivaliam  a doces e emplumadas caricias ao meu nada modesto ego.

Mas o tempo passa. Mesmo suspeito de inexistência e rotulado como mero fragmento de percepção objetiva, ele passa. E eu, absorto que estava em profundas indagações quanto à ambigüidade dos postulados filosóficos, pouco ou nada notava da ação envelhecedora, destruidora e mumificante do tempo.
Num dado momento, porém, me ocorreu um estalo. Daqueles estalos que parecem definitivos; insólito como se encerrasse o segredo da Pedra Filosofal. E EU DESCOBRI no tempo a chave que me faltava, para abrir de vez a porta dos mistérios!

Daí, corei de vergonha!..
Corei, a despeito de minha mística palidez, quando o Tempo, de alfanje (foice de ceifar, para os leigos) em punho, me perguntou grave e sério:
- Quanto já praticaste (o Tempo só se dirige aos mortais na segunda pessoa) de toda erudição filosófica com que te empanturraste ao longo de tua ociosa vida?
-Bem, eu...(cof, cof!)
- Quanto imaginas custar à Natureza cada Onça Cúbica (medida alquímica) do ar que respiras?
- (silêncio suspeito)...

- Ouve, pois, ó ignorante: verdade é somente aquilo que permanece incólume diante da perpétua mutação universal, mantendo-se aplicável  a todas as épocas e aberto ao espírito investigador. Tu podes conhecer o peso de uma doutrina ou filosofia, vivenciando-a em tua carne; assim, e somente assim, terás a autoridade moral para pregá-la!

(Humilhante pausa de efeito).

- Portanto, deixa de empáfia, fala com economia e vive de tal forma que tuas palavras não te desmintam os atos!


..................
01/06/1983
Auro

2 comentários:

Paulo César disse...

Esse é um texto que realmente fala muito aos pensadores que andam em busca de conteúdos sérios e racionais para refletir sobre eles. preciso ler mais os teus escritos. Parabéns.Teu admirador e amigo: Paulo César

Auro Barreiros disse...

Buscar é o que dá sentido à luta. Grato.