quarta-feira, 15 de setembro de 2010

O TEMPO E O RIO





AO LONGO DA VIDA freqüentemente nos defrontamos com o imperativo de tomar decisões. Momentos de gravidade, situações constrangedoras, fatos que obrigam a uma escolha, uma definição; ocasiões em que ficamos “entre a cruz e a espada”, como se costuma dizer. Figuradamente, é como se a vida fosse um rio, onde nosso barco navega ao sabor da correnteza, numa linha mais ou menos reta. Da proa do barco vislumbramos um futuro linear, previsível, cujos percalços, por serem facilmente visíveis, podem ser contornados sem maiores tropeços. Entorpecidos pela prolongada tranqüilidade, seguros de que nada se opõe à marcha de nossa nau, adormecemos placidamente, até que os clarões da aurora nos despertem. Então, ao abrir os olhos, nos deparamos com uma novidade: bem ali, à frente, o rio faz uma curva. Já não é possível vasculhar o caminho adiante e o temor do desconhecido começa a invadir-nos o coração.

O que há depois da curva do rio? Uma cachoeira a despencar-se no abismo? Um enorme redemoinho, sugando para as profundezas qualquer coisa que lhe caia no vórtice? Uma corredeira pedregosa e veloz, com força suficiente para despedaçar uma embarcação?
Ou, quem sabe se, após a curva, a vista descortine um imenso lago onde o barco tem seu impulso amortecido e somos brindados com a suavidade e o marasmo próprios das águas paradas; pode ser também que adentremos outro rio, maior e mais veloz, acelerando a viagem. Mas, pode ser ainda que, após a fatídica curva, o rio simplesmente prossiga seu destino, exatamente como antes, e toda a ansiedade, todos os temores e prospecções não passaram de meras conjecturas.

ANSIEDADE; eis a palavra que define o estado do ser humano ante a premissa de alterar hábitos, conceitos, crenças ou convicções. Ansiedade que oprime, sempre que obriga a romper com a rotina mental e emocional que determina o modo de ser e agir. Ansiedade que sugere o medo do futuro!

Mas, afinal, o que é o futuro?

Conte até três. Quando chegar à ultima sílaba dessa curta contagem, toda ela já será passado. No entanto, há três segundos apenas, tratava-se de um projeto cuja execução situava-se no futuro que agora já é passado!

Tente imaginar agora o que pode ter acontecido em todo o planeta enquanto você contava até três; há de convir que se trata de uma tarefa extremamente difícil, senão impossível de ser concretizada. Em três imperceptíveis segundos nasceram centenas ou milhares de crianças, morreram outros tantos indivíduos de todas as idades, navios naufragaram, aviões decolaram, decretos foram assinados, homens de ciência realizaram notáveis descobertas, países entraram em guerra, muitos choraram, muitos sorriram, o impulso afetivo uniu milhares de casais, o egoísmo separou outros tantos; o pensamento girou o mundo em busca de catalogar o maior número possível de eventos. Houve treva e houve luz, e você... bem, você contou até três!

No curso da vida, assim como na física, o futuro depende da ação das leis naturais e universais e sua relação com o arbítrio humano. A gravidade, por exemplo, determina a queda dos corpos; se alguém resolve saltar de um trampolim em uma piscina sem água, nem é preciso ser profeta para adivinhar seu futuro. Juntar fogo à pólvora tem como futuro uma explosão; desrespeitar a liberdade e o direito alheio tem como resultado o conflito e a violência entre indivíduos e nações.

Assim sendo, a sensatez recomenda prudência ao lidar com misturas explosivas, para evitar o risco desnecessário.

Mas evoluir é um impulso interior que nos empurra à frente, na incessante busca de experiências enriquecedoras. Chorando ou sorrindo, errando ou acertando, o ser humano é o que conquista como conhecimento vivenciado.

Fujamos do comodismo e do medo de mudar. Mesmo porque, mudar é lei a que nada resiste no Universo. Ter essa consciência é um excelente antídoto para a ansiedade e um poderoso tônico para a criatividade.

Auro
1998

Nenhum comentário: