domingo, 10 de setembro de 2017

A REGRA DE OURO


Na antiguidade, escultores e construtores definiram um princípio de proporção ideal, cuja aplicação deveria conferir às suas obras o mais elevado sentido de harmonia. Esse princípio era conhecido como “número de ouro”, ou “proporção áurea”[1], ou ainda (e por justa causa) “divina proporção”, já que refletia, entre outras coisas, o dimensionamento do corpo humano e suas intrigantes relações matemáticas.
Desde então pode se reconhecer a presença dessa proporção áurea nas obras dos grandes mestres da escultura, da pintura e da arquitetura, exatamente pelo que eles buscavam traduzir em suas criações: o equilíbrio e a harmonia próprios da natureza.

Mas a busca da perfeição não se limitou às ciências e artes; na filosofia de Platão encontramos a noção do Mundo das Ideias, o arquétipo em que o plano terreno se reflete, de forma imprecisa e distorcida como as sombras do Mito da Caverna. Para Platão, o Bem, o Belo e o Justo são princípios que têm existência real e constituem a essência de toda a Criação; logo, aperfeiçoar algo ou a si mesmo consiste básicamente em desvencilhar-se das sombras e retornar ao mundo real, daí se dizer que “aprender é recordar”.

Esses conceitos estão no âmago das principais correntes de pensamento espiritualista e grandes religiões. A percepção da lei natural de compensação transparece na doutrina do Karma e nas exortações do Evangelho em relação às atitudes para com os outros e suas consequências. Fazer ao próximo o que gostaríamos que nos fizessem é um conselho que recebeu o título de “Regra de Ouro”; o exercício pleno dessa regra significa o mais desejado entendimento das leis divinas e suas implicações na conquista da paz e da felicidade em Deus.

Mas, talvez em função dos limites da mente humana, ajustar-se a essa Regra de Ouro ainda não é uma tarefa simples. Muitas vezes o retorno das mais bem-intencionadas atitudes é o descaso, que pode culminar no que é percebido como ingratidão. É pouco provável que exista alguma pessoa adulta que não tenha sua história de frustração diante do menosprezo alheio ao seu sincero desejo de ajudar. Na maioria das histórias registra-se um fato comum; alguém que tenta partilhar com o outro algo que, para si, é a expressão do bem, da verdade e da justiça, sofrendo a decepção de não ver compreendidos e aceitos os seus propósitos, conselhos ou gestos, do que resultam amizades abaladas, laços afetivos rompidos, esvaziamento da confiança e do respeito mútuo.

Mas, afinal, em que consiste a decepção? Por que nos importa tanto o reconhecimento dos outros em relação aos nossos atos e intenções? Provavelmente, a decepção tem raízes no desejo de gratificação; a mente primitiva requer a retribuição, o prêmio, a distinção dos possíveis gestos de eventual despreendimento. O instinto cobra a satisfação e a mente racional estipula o preço: o aplauso, a aclamação, o agradecimento e a reciprocidade. Essa conduta está de tal forma arraigada ao inconsciente que se manifesta até mesmo nas relações que o homem tenta estabelecer com o Deus de sua compreensão. Na maior parte das religiões existe a prática da permuta entre o fiel e a divindade; determinada graça pode ser concedida, se tal e qual promessa for paga ou algum tipo de sacrifício seja feito.  E quando a graça não é alcançada, ocorre o pensamento de que a promessa ou o sacrifício não tenham sido suficientes, ou foram mal cumpridos. Raramente passa pela cabeça do homem que sua concepção das virtudes de Deus pode estar equivocada; que o desejo humano pode não estar em acordo com a Lei Universal, ou que a intervenção solicitada pode ser imerecida. Assim, por ignorância a respeito do que acredita, o ser humano oscila entre a fé vacilante e a dúvida inconfessa.

Temos então, diante de nós, um impasse: aceitamos que Deus existe e, por ilação, atribuímos-lhe certas características morais, tal e qual o faríamos a um lider ou soberano. Repetimos há séculos (ou milênios) que Deus é Onipotente, Onipresente e Onisciente e, bem por isso, é perfeito em Justiça e Amor.  Mas nem sempre, ou quase nunca conseguimos enxergar essa justiça e esse amor no desenrolar de eventos trágicos e das aparentes incoerências do que se costuma chamar “destino”. Muito do que dizemos crer a respeito de Deus permanece apenas no campo da dialética, sem o alicerce da convicção.
Isso é compreensível, pois há conceitos para os quais a mente humana carece de parâmetros: eternidade, imortalidade, infinitude... Dentre estes, talvez o mais complicado seja conceber o Princípio de toda a realidade, pois este reúne em si todos os outros conceitos como atributos. Um Ser Supremo tem que ser incriado, pois, se tiver uma origem, por mais remota, já não é eterno e deixa um vácuo de tempo no seu “antes”. Tem que ser onipresente, de amplitude infinita, pois, se sua abrangencia tiver algum limite, o que existirá além daquela fronteira?Outro Deus? Tudo isso parece óbvio, mas, quando tentamos racionalizar a natureza dessa Entidade Suprema, esbarramos na dificuldade de conceber o que não tem um espelho em nossa mente.

A provável solução para esse dilema talvez seja buscar a compreensão do cosmo que nos rodeia e do qual somos parte, pois isso é passível de percepção e assimilação em nível do intelecto. Tal exercício poderia, certamente, ampliar a concepção de uma Consciência Suprema, universal e ilimitada no tempo e no espaço. Disso resultaria uma reavaliação de critérios no relacionamento com essa Consciência e com o Cosmo, do qual, supõe-se, todo ser é parte. O desejo inconsciente de retribuição seria convertido na busca de harmonia, como consequência natural de pensar, sentir e agir segundo leis impessoais, equânimes e justas por excelência.

Equanimidade e justiça; talvez seja esta a chave para a compreensão de uma “Regra de Ouro”. O Mestre Jesus a explicitou de forma sucinta, quando aconselhou que não se deve fazer aos outros aquilo que não se deseja para si. Mas o oposto também é verdadeiro; fazer ao outro o que se deseja para si faz parte da construção dessa regra de convivência. Isso tem relevância, principalmente, nas relações interpessoais, nas questões básicas de direitos e deveres. A percepção de reciprocidade se reflete, ainda que imperfeitamente, nos códigos e leis humanas.
Porém as leis e códigos, por serem de origem humana e elaborados segundo os limites de época, costumes e conveniências, nem sempre refletem essa reciprocidade no grau desejado. Concedem-se privilégios por razões obscuras, ao mesmo tempo em que são desconsiderados direitos naturais do homem, como as liberdades, a sobrevivência, o acesso ao conhecimento.  O corporativismo, que nada mais é do que o egoísmo no coletivo,  legisla e decide conforme interesses imediatos de uma classe, em detrimento da ética, forjando assim uma moral flutuante, que propicia a leniência dos costumes e a inércia espiritual.

Não há como conceber uma “Regra de Ouro” no sentido original do conceito, sem dissecar a práxis ética e moral, submetendo-a ao crivo da reciprocidade. O ser humano não deveria ser bom por temor a um Deus ou a uma lei, mas por empatia; a dor do vizinho me dói, mas sua alegria me alegra.

E isso nos traz de volta o questionamento quanto à relação entre o homem e seu Deus, o Deus de sua concepção.  O que esperar de Deus? Bem, isso vai depender do que se imagina como atributos dessa entidade misteriosa; como será seu pensar? Terá Deus sentimentos e vontades semelhantes às do homem? Ele se aborrece? Ele se entristece? Ele tem preferências ou antipatias? Tem inimigos? Se o Deus concebido tem todas essas características, não dá pra se esperar muito dele em termos de Justiça, pois um deus assim é apenas um homem, ainda que a ele se atribuam poderes transcendentais. A relação com seus devotos terá a cor das paixões humanas, inexatas, injustas e imprevisíveis.
Mas, e se esse deus for de tal forma benevolente que ignore as insanidades do tutelado, agraciando-o com generosas bênçãos em troca de meia dúzia de palavras adocicadas em uma prece de louvor? Seria uma divindade mais confiável?

No que diga respeito à concepção de Deus, não há como fechar questão. Cada um a desenvolve por si e segundo sua própria percepção. Mas o bom senso indica que a convivência com a ideia de Deus será tão harmoniosa quanto for fundamentada na compreensão das leis naturais e cósmicas. Essa sintonia ideal é definida por Jesus, quando resume a Lei e os profetas de seu tempo em um magnífico ensinamento: “Ama ao próximo como a ti mesmo e a Deus sobre todas as coisas”[2]. Senão, pensemos: é possível amara ao próximo sem amar a Deus? Talvez sim, para os ateus. Estes não concebem uma entidade ou força inteligente como criadora e ordenadora do Cosmo, mas isso não é impedimento para que nutram o mais sincero sentimento fraterno em relação ao semelhante. E amar a Deus sem amar ao próximo? Sim, também é possível, para quem alimenta a ideia de um deus-homem, com as mesmas limitações psicológicas de suas criaturas. No entanto, considerando-se a impessoalidade como prerrogativa essencial para uma justiça perfeita, esse amor seria unilateral, pois não encontraria eco na dimensão cósmica. Esse tipo de concepção da natureza de Deus delimita suas benesses ao restrito círculo de afetos e interesses do devoto, contrariando assim a noção de equanimidade.

E o que tudo isso tem a ver com a Regra de Ouro?  Bem, dissemos antes que essa Regra pretende refletir o equilíbrio e a harmonia da Natureza. E a Natureza é manifestação visível da Consciência Suprema, ou Lei Universal a que a mente humana atribui a origem e domínio de todas as coisas. Logo, os eventos naturais e cósmicos refletem, em alguma grandeza, a forma ideal de justiça. O homem, por seu atributo de autoconsciência, pode testemunhar em si mesmo essa realidade, na alternância entre dor e prazer, infortúnio e felicidade, carência e plenitude. Sua consciência, ainda que limitada,  é capaz de entrever o encadeamento de causas e consequências que produz o seu destino. Mais ainda, percebe que seus desejos movimentam as peças desse jogo, o que o faz compreender que é, em grande medida, o artífice do já mencionado destino.

Quanto mais amadurece na compreensão dessa dinâmica da Lei Cósmica, menos o ser humano encontra justificativa para a auto-piedade. O reconhecimento de que seus pensamentos, palavras e ações constroem o futuro que terá que viver, fatalmente o induz a considerar o “outro”; seu próximo, com quem partilha o drama da existência. Mais dia, menos dia, se convencerá de que, a despeito das aparentes diferenças, a estrutura interior de todo homem ou mulher é fundamentada nos mesmos princípios naturais; fugimos da dor e buscamos o prazer, a felicidade, a compensação, ainda que, por ignorância, frequentemente nos equivoquemos, provocando justamente o sofrimento que pretendíamos evitar. Daí a imensa profundidade do conselho de Jesus: “Tudo o que quereis que vos façam, façais também aos outros”[3].

Mas, mesmo esse majestoso conselho precisa ser bem compreendido, para que não sirva de desculpa à invasão da liberdade do próximo. É conveniente que se examine desapaixonadamente aquilo que o homem faz para si. Que frutos ele colhe das atitudes e práticas que tem para consigo mesmo? No passado (e ainda hoje), grupos religiosos empenhavam-se em difundir suas doutrinas a outros povos. Emprincípio, não há nada de errado nisso, pois todos devem ter a liberdade de proclamar suas crenças. Mas, em nome desse ato de fé, muitas vezes a consciência do outro é atropelada pela ideia de que o “meu deus” é verdadeiro e o “seu deus” é falso. Culturas milenares foram assim destruídas ou deturpadas, e nenhuma felicidade foi acrescentada aos convertidos. Mas, quem impingiu suas convicções, muitas vezes o fez na crença de que estava fazendo ao próximo o que desejaria para si mesmo. Será que a situação inversa seria aceita com esse mesmo espírito de compreensão? Num caso como esse, a Regra de Ouro não seria o respeito às diferenças?

Para melhor estabelecer uma “Regra de Ouro” pessoal, pode-se realizar um exercício de consciência. Esse exercício consiste em separar um período da vida cotidiana para “sair de si” e tornar-se expectador dos próprios pensamentos e atitudes, registrando os efeitos mentais, emocionais ou mesmo físicos resultantes, tanto em si quanto (e especialmente) nos outros. A ideia é se ver como num teatro, em cujo palco esteja sendo encenada a peça “Eu e o Mundo”. No tablado, entre os atores, há um que representa fielmente o “Eu”; é o papel principal. Mas os outros artistas não são menos importantes, pois é de sua interação com o “Eu” que as verdades do coração podem se revelar. No transcurso dessa encenação, será possível entrever o real sentimento que motiva cada ato. E, ao fim da peça, o espectador poderá ter um retrato aproximado de seu próprio Eu e das consequências boas ou más de sua forma de conviver com o mundo. Quem sabe, perceberá (e admitirá) o quanto ainda age por desejo de compensação. Principalmente, compreenderá até que ponto esse desejo é natural e a partir de quando se torna um obstáculo ao amadurecimento espiritual. Tais noções, obtidas do exercício de “sair de si”, lhe possibilitarão iniciar a elaboração de uma “Regra de Ouro”, que lhe trará frutos de paz e harmonia, na proporção em que esteja em consonância com as Leis Universais, cuja perfeição e Amor se traduzem na Natureza e no Cosmo.


 Auro Barreiros
Setembro/2017






[1] Descrita, primeiramente, por Euclides, há aproximadamente 2.300 anos, na obra “Os Elementos”.

[2] Marcos,12: 30 e 31

[3] Mateus, 7:12

sábado, 29 de abril de 2017

REFLETINDO SOBRE CICLOS E HUMANIDADE



Conforme indica a Sabedoria dos Tempos, o Cosmo, com tudo o que contém, é cíclico. Desde o mundo subatômico até as vastidões inconcebíveis à mente humana, toda a realidade se move segundo ciclos que se encadeiam continuamente, numa gigantesca ciranda de causas e consequências. Apoiando-se nessa concepção, não é exagero pensar que a queda da folha de uma árvore afeta a perpetuação da vida em nível microscópico e que isso por sua vez, tem relação com o restante das manifestações de vida em um planeta.

E quando se fala em vida, surge de imediato a lembrança da vida humana, a nossa vida. Ai que parece, somos a espécie que mais se dá conta da própria individualidade. E somos também a espécie que mais drasticamente interage com o ambiente em que habita, junto com os demais seres vivos. Graças aos dotes de raciocínio, observação e assimilação das experiências, desenvolvemos habilidades que nos permitem alterar condições naturais para atender o que acreditamos serem as nossas necessidades. E como essa crença nem sempre corresponde à realidade natural, provocamos profundos desequilíbrios ambientais, que findam por interferir negativamente na qualidade da vida que tanto defendemos.
A criação e manutenção dos padrões de existência confortável exige poder econômico; isso motiva problemas aparentemente incontroláveis, como o consumismo, a especulação financeira e a guerra. Sim, pois é impossível fazer uma guerra sem dinheiro! Armas custam caro, aviões e navios idem. Logo, por trás de motivações políticas e ideológicas há sempre a extraordinária movimentação de fortunas para o custeio dos conflitos.

E chegamos ao ponto crucial dessa argumentação: por que o ser humano não se satisfaz? Por que os valores éticos são relativizados quando está em jogo o poder? Por que não tem sido possível vivenciar a verdadeira paz na Terra? De que nos valeu a espantosa tecnologia que já desenvolvemos e que nos facultou a conquista do Espaço, se somos ainda incapazes de dominar o nosso “espaço” interior? Tendo como real a Lei de Compensação, qual será o resultado de nossas presentes ações e omissões?

Diante de tais indagações, devemos voltar à Lei dos Ciclos. Assim como a semente germina em certo tempo, segundo a sua espécie, o que o homem semeia através de suas atitudes também tem um tempo para germinar e dar frutos. Por exemplo, o lixo que a civilização produz e que por milênios foi despejado no meio ambiente, é agora uma das maiores preocupações dos países mais ricos, que dispõem de conhecimento suficiente para saber que a saúde de seus cidadãos está ameaçada pelos mesmos rejeitos que foram produzidos pela sua incessante busca de conforto e sofisticação. No atual ciclo, um dos principais desafios do homem é cuidar do próprio lixo!
Mas, ainda que se encontre uma solução tecnológica para a questão do lixo, ainda restam outros problemas que, por serem inerentes à natureza humana, não serão solucionados por computadores; ganância, sede de poder, intolerância, preconceito, egoísmo, são os amargos frutos da ignorância do homem a respeito de si mesmo.  Suas mais evidentes consequências aparecem sob as formas de ansiedade, transtornos emocionais, estados depressivos, conduta violenta, crises existenciais, um vasto repertório de efeitos de uma só causa: ausência de paz.

Da mesma forma que o Cosmo, o mundo interior também obedece a ciclos de semeadura, germinação e frutificação dos hábitos mentais e emocionais cultivados ao longo da vida, ainda que não tenhamos consciência disso. A essa inconsciência costumamos dar o nome de “destino”.
É possível mudar isso? Podemos nos livrar do resultado de uma vida de cultivo de ervas daninhas?

Sim, é possível mudar a qualidade da colheita futura a partir de boas sementes plantadas agora. Pode-se, gradualmente, modificar o ecossistema interior e estabelecer um padrão de harmonia mental e emocional, que se reflete na conduta e no trato com o semelhante.
Assim como o astrônomo usa o telescópio para vasculhar o céu, o homem que busca a paz interior se vale de seus instrumentos naturais para explorar a si mesmo. A reflexão é uma dessas ferramentas. Refletindo, pode-se extrair das experiências o conteúdo de sabedoria nelas oculto. Refletindo, no exercício da liberdade de consciência, pode-se incorporar a sabedoria adquirida à personalidade, eliminando falhas comuns do caráter, criando novas e apropriadas formas de sentir e de agir, para que o semear seja fecundo e doces os frutos.

A Lei dos Ciclos é evolutiva. A cada périplo, toda realidade ascende a um novo patamar. Assim, quando o homem busca a compreensão de si mesmo e sua relação com a Lei Maior, o mesmo acontece com ele; sua consciência se eleva, seus horizontes se ampliam, seu coração se agiganta. O buscador assimila a lição fundamental: somos responsáveis pela nossa felicidade.

A propósito, vale lembrar aqui algumas das sábias palavras de Ralph Lewis, ex-Imperator da Ordem Rosacruz – AMORC:

CREDO DA PAZ
 Sou responsável pela guerra...

Quando orgulhosamente faço uso da minha inteligência para prejudicar o meu semelhante.
Quando menosprezo as opiniões alheias que diferem das minhas.
Quando desrespeito os direitos alheios.
Quando cobiço aquilo que outra pessoa conseguiu honestamente.
Quando abuso da minha superioridade de posição, privando outros de sua oportunidade para progredir.
Se considero apenas a mim próprio e aos meus parentes pessoas privilegiadas.
Quando me concedo direitos para monopolizar recursos naturais.
Se acredito que outras pessoas devem pensar e viver da mesma maneira que eu.
Quando penso que sucesso na vida depende exclusivamente do poder, da fama e da riqueza.
Quando penso que a mente das pessoas deve ser dominada pela força e não educada pela razão.
Se acredito que o Deus de minha concepção é aquele em que os outros devem acreditar.
Quando penso que o país em que nasce o indivíduo deve ser necessariamente o lugar onde ele tem de viver.

Sou responsável pela paz...

Se direciono correta e construtivamente os poderes da minha mente.
Se concedo ao meu semelhante o direito pleno de se expressar, de acordo com o seu próprio entendimento das verdades da vida.
Se reconheço que os meus direitos cessam quando iniciam os direitos dos outros, e aceito isso com um mínimo indispensável de disciplina.
Se faço uso dos meus poderes interiores para criar minhas próprias oportunidades.
Se consigo promover a evolução dos que me cercam, sem considerar a minha posição ameaçada, e entendo que esta é a minha maior fonte de sucesso.
Se compreendo que as LEIS DIVINAS diferem das leis criadas pelo Homem, e que nenhum direito divino especial é concedido a alguém unicamente por seu berço.
Se reconheço que os recursos naturais devem servir indistintamente a todas as formas de vida, e que não me cabem direitos exclusivos sobre eles.
Se compreendo que nada é mais livre do que o pensamento, e que o pensamento construtivo transforma o Homem direcionando-o para a sua verdadeira meta.
Quando sinto que toda felicidade depende do simples fato de existir... de estar de bem com a vida.
Se percebo que todo ser humano poderá vir a ser um grato amigo, quando convencido pela argumentação sincera.
Se considero que a Alma de Deus adquire personalidade no Homem, e que este só pode conceber Deus a partir de sua própria percepção da Divindade.
Se reconheço a mim e ao meu semelhante como partes integrantes do Universo, e que a cada um cabe a busca do lugar onde melhor possa servir.

Se estou em PAZ, eu promovo a PAZ dos que me cercam. Por sua vez, eles promovem a PAZ daqueles que estão à sua volta e que também farão o mesmo.
Então, a PAZ começa por mim! E sem ela não pode haver a necessária transformação social.


      Auro Barreiros, FRC
      dezembro de 2015 


terça-feira, 23 de agosto de 2016

Pelo nome de Joana



Pelo nome de Joana


Hoje, ao fim do dia,
Na luz que declina,
Névoa fugidia,
Saudosa neblina,
Recordei Joana,
Joana menina.

Joana donzela,
Terna flor da vida,
Olhos de estrela,
Mãos na rude lida,
E a voz, distante e bela
Daquela Catarina,
Daquela Margarida,

Sopra-lhe aos ouvidos
O som do paraíso,
Envolto em gemidos,
Oculto no sorriso
Do anjo que ilumina
E à luta convida
A quase-menina,
Irmã de Margarida,
Irmã de Catarina!

Recordei Joana,
A fronte iluminada,
Audácia mais que humana,
Empunhando a espada,
Guerreira menina,
Nessa rude lida,
E a luz de Catarina,
E a luz de Margarida!

Lembrei-me da criança
E do cruel juiz,
Do débil Rei de França
E a noite infeliz
Em que Joana bela
Guerreira menina,
Seguindo Margarida,
Seguindo Catarina
Despede-se da lida,
Terna flor-de lis.


Auro Barreiros - 2/7/2016

sexta-feira, 8 de abril de 2016

O PROPAGANDISTA

Tô na rua do Mercado
Mostrando a mercadoria
E chamando a freguesia
Para se aproximar

E examinar

A grande variedade
Eu garanto a qualidade
Se gostou, pode levar!

É só pegar!

Que o artigo tá barato
Tem botina, tem sapato
Tem calça, tem paletó
Gravata, cinto e colete
Para dançar no forró

Jardineira pra menina
Lenço, pente, brilhantina
Lantejoula e purpurina
Pra enfeite de bordado
Enxoval de batizado
Do tempo de minha vó

Escute só

A minha publicidade
Todo o povo da cidade
Tá sabendo e vai saber
Que meu destino é vender
Trocar e negociar

E anunciar,

E anunciar!


Auro Barreiros - anos 90

quarta-feira, 6 de abril de 2016

ATALANTA FUGIENS


Se cantar é louvar a vida
E viver é seguir em frente,
Caminhar e viver cantando
Faz de mim buscador da Luz
Que brotou da fonte
De toda Vida!

Ah, tão desejada!..
Ah, tão escondida!..
Luz tão amada,
Inexplicada,
Indefinida!

Se sonhar é sentir saudade
E lembrar é voltar no tempo,
Recordar e seguir sonhando,
É assim que meu coração
Quer beijar a rosa
Dos meus encantos!

Ah, tão perfumada!
Ah, tão colorida!
Iluminada,
Inexplicada,
Indefinida!


Auro Barreiros - 2011

domingo, 18 de maio de 2014

ECOS DA SOLITUDE


Viver é uma bênção.

Mas é uma bênção fugidia, volátil como os perfumes que a brisa matutina espalha. Efêmera como o ressoar de uma nota musical, cuja matriz pode ter sido um violino nas mãos de um virtuose ou uma gota de orvalho sobre uma lata vazia. Algo que nem bem começa e já se aproxima do epílogo a passos largos como só o tempo sabe caminhar.

Como o pescador de pérolas, que precisa realizar seu perigoso trabalho no curto período que determina o alento recolhido no peito, parece que a gente mergulha no mar da existência e tenta abarcar tantas vivências permita o quinhão de vida com que cada um é agraciado. E como são incontáveis as experiências que o viver oferece, a cada passo um novo mistério, uma nova surpresa, outro desafio e lá vamos nós à arena, como se o momento presente resumisse toda a razão de ser. 

Compartilhamos o grande palco da vida com outros tantros incontáveis atores, que assim como nós, mergulharam neste oceano. E com eles encenamos o majestoso drama, farto de lágrimas e risos, conciliações e disputas, nobreza e vilania, amor e ódio, bem ao estilo controverso e prolixo do ser humano.

E porque a visão é curta e a memória fraca, nos apaixonamos pelo que vivenciamos com a paixão dos romances, ao ponto de consumir o quinhão de vida em ressentimentos e quimeras.

Mas a vida, como disse, é uma bênção fugaz; diáfana como o Véu de Ísis, encobre o portal do desconhecido. Imponderável como a chama que só se vê enquanto presa ao candeeiro que a sustém, em um momento está e no outro, nunca esteve.

E então, no exaurir do sopro que nos fez brilhar como chama de uma vela, finda a cena ao cair do pano.

O que vem agora? Nova temporada? Outra peça com o mesmo e já experimentado elenco? Quem o sabe?

A vida é uma bênção.



Auro Barreiros

Janeiro de 2014



UNIDADE



Ainda que a Ciência afirme, e mesmo que a fé faça pressentir;

E apesar do justificado crédito àquela porção da mente que costumamos denominar “razão”, é saudável para o homem desconfiar das verdades absolutas, das convicções inabaláveis, das plenas certezas e argumentos irrefutáveis.

Faz bem à alma deixar as janelas abertas e consentir que a luz, o vento e os murmúrios do Cosmo circulem livremente pelos corredores de sua consciência, despertando lembranças e propondo aventuras pelo inexplorado campo do próprio Eu. 

Faz bem à alma subir a montanha de sua condição mundana a fim de contemplar o horizonte a partir de um plano mais elevado. Ainda que o esforço seja extenuante, desalentador e incômodo, a paisagem compensa toda a aridez da escalada.

Uma vez descortinada a vastidão do ignoto universo interior, dúvidas e certezas se dissolvem na comunhão com o Mistério.

E o resto é silêncio.



Auro Barreiros

6/1/2014

sábado, 17 de maio de 2014

LIBERDADE E NATUREZA




Afinal, o que é liberdade?

Para os antigos gregos, “eleutheria” era a palavra que definia o poder de movimento sem restrição externa. Liberdade, portanto, equivalia a “poder”. O homem livre era aquele que poderia se mover ou agir segundo sua vontade, sem a ingerência de qualquer senhor ou lei.

Já a palavra alemã “freiheit”, de onde se originou o vocábulo “freedom” em inglês, significa, literalmente, “pescoço livre” e refere-se ao grilhão em forma de coleira que era colocado no pescoço dos escravos ou prisioneiros. Igualmente aos gregos, o conceito era “ausência de impedimentos”.

Para os romanos, “libertas” queria dizer “independência”, que resumia o pensamento grego. 

No entanto, gregos e romanos considerados livres deviam obediência às hierarquias militares ou sociais (reis, césares, generais), o que já delimitava a abrangência de sua liberdade e estabelecia uma contradição ao conceito em sua essência. A liberdade ideal esbarrava (e ainda esbarra) na ordem social das coletividades.

Podemos chegar a conclusões razoáveis em relação à liberdade, enquanto sob um enfoque ético-moral. Mas todos os conceitos convergem para um estado relativo de liberdade, ora condicionado à conjuntura social, ora justificado pelas limitações humanas. 

Se imaginarmos o homem como um ponto e o universo como um círculo, teremos o campo de liberdade estabelecido pelos limites da circunferência. Se, como Pitágoras, definirmos o Cosmo como um círculo cujo centro está em toda parte e a circunferência no infinito, teremos o homem usufruindo a liberdade total, ampla e irrestrita. Isso, claro, se só existisse um homem no cosmo, como o eremita da resposta à questão. Mas, se houver outro homem, esse infinito deverá ser dividido por dois e as vontades antagônicas terão que ser confinadas aos limites da “circunferência de liberdade” de cada um. É o fim da independência individual, pois alguns procedimentos regular-se-ão mutuamente. Como vemos, bastou apenas mais um indivíduo para complicar as elucubrações filosóficas.

Multipliquemos os indivíduos e os representemos por pontos dentro de círculos, tal e qual o primeiro de nossa alegoria. Rapidamente, cada circunferência terá que reduzir seu tamanho para dar espaço à outra (a liberdade do vizinho), de modo que teremos uma verdadeira malha de círculos e pontos, a sociedade humana. E quanto mais essa malha se expande, mais o espaço de liberdade individual se contrai, em função dos direitos e deveres coletivos. Ainda assim, dentro do espaço entre o ponto e a circunferência individual é possível se exercer a liberdade de ação, embora limitada. 

Note-se, porém, que, geometricamente, círculos não se encaixam uns nos outros, como acontece com quadrados ou hexágonos. Sempre resta entre eles um espaço que poderia simbolizar a liberdade coletiva; o ponto de adequação das liberdades individuais visando a harmonia de convivência. Neste campo neutro constrói-se uma regulamentação de conduta que suprime algumas liberdades individuais e dimensiona outras, buscando a harmonia social. É a moral (de “mores”, costumes).

Até aqui falamos de liberdade no sentido ético-moral e sua estruturação na sociedade humana. Mas, em relação às leis naturais, existe liberdade, conforme definida pela filosofia?

Pode o homem impor sua vontade aos fundamentos da vida? 

Comecemos a refletir desde o corpo em que habitamos. Podemos mover nossos braços e pernas, caminharmos nesta ou naquela direção, expressar os pensamentos pela fala. Aparentemente, estamos exercendo pleno livre-arbítrio. Voltemos agora a observação para o interior de nosso corpo; qual é a nossa ingerência, por exemplo, sobre o processo de degeneração e regeneração celular? Podemos, por simples ato da vontade, parar de envelhecer? Em nosso peito há um órgão que pulsa desde o ventre materno e continuará pulsando até o fim da existência terrena. Temos algum poder sobre este órgão, a ponto de determinar que funcione ou pare, a nosso bel-prazer? Temos alguma consciência das complexas combinações de elementos que ocorrem diuturnamente no corpo, nas glândulas endócrinas, no sangue, nos tecidos? 

O que é o pensamento? Bem, costuma-se dizer que é um atributo do espírito. Porém, o que sucede aos atributos espirituais quando são mergulhados na carne? 

A psicologia tem proposto teorias quanto à formação do pensamento a partir da interação entre sensações objetivas e a percepção subjetiva. Provavelmente os pensamentos têm raízes nas impressões que estão arquivadas além do alcance da consciência objetiva. Para avaliar isso, basta que tentemos dissecar um pensamento, separando o conteúdo racional do emotivo. Logo veremos que um e outro estão sempre imiscuídos, em diferentes proporções. O que nos dá prazer ou sofrimento, em nível físico ou emocional, forma parâmetros pelos quais o raciocínio trafega e se elabora, resultando no que costumamos denominar convicções ou crenças. Assim, a liberdade do pensamento é regulada pelos limites impostos por convicções e crenças. Portanto, o homem pode usufruir esta forma de liberdade na medida de seu autoconhecimento, do que decorre que uns ampliam seus horizontes e outros se escravizam aos próprios conceitos.

A busca do ideal de liberdade deve se pautar em princípios básicos; a liberdade coletiva ou social, por exemplo, é necessariamente auto-regulada pelos interesses dos próprios indivíduos. É dessa regulamentação que nasce a moral. Os costumes (mores) que trazem bem-estar, prazer e ordem à coletividade são permitidos e aprovados, à exclusão das práticas capazes de abalar a estabilidade social, independentemente de sua qualidade. 

É a diferença entre o pecado e a proibição; nem tudo o que é proibido é pecaminoso, e o inverso também é verdadeiro.

A liberdade individual, no entanto, se fundamenta em três aspectos indissociáveis; o físico, o mental e o psíquico. Fisicamente, aplica-se bem o conceito grego de “eleutheria”. É desejável que possamos nos movimentar sobre a Terra, sem cerceamentos ou obstáculos intencionais de outrem. Mas isso também vale para o próximo.

Mentalmente, é preciso reconhecer que os obstáculos ao livre – pensar, ainda que instigados pelo mundo exterior, são criados ou aceitos pelo indivíduo, no uso ou na omissão de seu arbítrio. O questionamento, a reflexão e a instrução devem ser praticados rotineiramente, como exercícios fortalecedores da estrutura mental. Com o questionamento as informações e experiências passam por um crivo de aferição e podem ser mais bem assimiladas. Com a reflexão, acontece o discernimento, que separa os elementos da experiência e possibilita uma compreensão mais íntima da realidade. Com a instrução, aumenta o acervo de parâmetros pelos quais devem passar o questionamento e a reflexão. Pode-se, então, conceber a liberdade mental como o domínio da consciência sobre o conteúdo da experiência.

Psíquicamente, a liberdade está condicionada ao autoconhecimento. É dito que somos seres racionais, porém é pelo campo emocional que percebemos a vida. As impressões emocionais de qualquer ordem têm o dom de atingir o recesso do subconsciente e ali alojar-se, passando a determinar comportamentos e crenças. É preciso que nos livremos das superstições, mas não basta uma leitura elevada e esclarecedora para atingir as raízes dessa conduta irracional. O campo psíquico só conhece uma linguagem; a emoção. Um antídoto para a superstição tem que ter a mesma intensidade emocional das impressões que formaram a raiz das superstições. É preciso romper a barreira dos medos e preconceitos interiores; figuradamente, tirar o esqueleto do baú e contemplar demoradamente cada osso, até que essa contemplação não cause mais qualquer agitação em seu mundo emocional. 

Depois de vencidas a superstição, as crendices e os vícios internos, abre-se um espaço a ser preenchido com as emoções positivas; entusiasmo, alegria, afetividade, impulso criativo, energias em perfeita sintonia com a lei que rege a natureza e o Cosmo. O resultado é a renovação da atitude mental e da forma de sentir a vida. É quando o homem começa a viver a liberdade interior, que melhor se traduz por “harmonia”.

Desse ponto em diante, já não se ambiciona o direito de “fazer o que quiser”, sem quaisquer impedimentos, pois, o que era de suma importância para o homem cativo de si mesmo perde o significado para quem ousou confrontar o próprio íntimo e realmente alcançou a liberdade espiritual. A vida deixa de ser um fardo, uma cruz ou provação e passa a ser compreendida como prodigioso campo de aquisição de conhecimento e prestação de serviço.


Auro Barreiros

18/2/2013

OFICINA DE MARCENEIRO


SONHADOR



REPENTE DE REPENTE (O INOMINÁVEL)


UMA COISA É BEIJAR A BELA MUSA




quarta-feira, 24 de abril de 2013

A COMPAIXÃO E O MISTICISMO



É raro o dia em que os meios de comunicação não mostrem o sofrimento humano em suas cruéis e variadas nuances.  Tragédias urbanas, acidentes, episódios de violência, afiadas lâminas que decepam laços de amor longamente acalentados.  A grande ironia está justamente na forma como a informação é trazida. Os telejornais, recheados de dramas, invadem a tela entre um programa de humor e uma novela, ou uma partida de futebol.  Tão logo terminam, a atenção do telespectador é desviada para as amenidades da ficção ou o riso fácil, amortecendo o impacto das notícias deprimentes.
E assim, dia após dia, o ser humano vai perdendo a sensibilidade à dor alheia.

Para o místico, esse é um dos maiores prejuízos que a modernidade pode infligir ao homem.  Amortecer a compaixão é desconhecer um dos princípios fundamentais da concepção mística de Deus: a alma humana é parte indissociável da Alma do Cosmo, o que faz com que todo ser esteja ligado a outro, numa cadeia infinita. Pelos limites da individualidade, tendemos a sentir menos o que não nos afete diretamente. Talvez por isso a fome que mata silenciosamente milhões de pessoas em certas regiões do mundo não tire o sono do cidadão comum, ainda que este professe valores religiosos e morais elevados. Talvez o desfile de ruínas humanas produzidas pelas drogas, hoje em escala epidêmica, não abale as estruturas emocionais de quem não convive com o problema no próprio lar. Para quem vive num país como o nosso, a ideia de não se ter a liberdade de opinião, crença ou mesmo o elementar direito de ir e vir é algo que soa meio surreal. Mas toda essa miséria moral existe e afeta milhões de nossos semelhantes em todo o planeta; muitas vezes, bem mais próxima de nós do que imaginamos, podendo estar do outro lado da rua ou na casa do vizinho.

A mente racional aponta razões políticas, a corrupção e o descaso das autoridades constituídas como causa dos problemas sociais. Cobra responsabilidades e cria fórmulas que, teóricamente, seriam capazes de solucionar as crises. Mas e experiência demonstra que qualquer tentativa de minorar o sofrimento humano passa primeiramente pela porta da compaixão.

A compaixão é definida como um desejo emocional de aliviar o sofrimento de outrem. É um impulso interior, provavelmente inspirado pelo estreito parentesco que une todas as almas à Grande Alma do mundo.  O ser compassivo sente, de alguma forma, a dor do outro; não físicamente, mas psíquicamente, de um jeito para o qual não há palavras suficientes. É, porém, uma percepção intensa o bastante para dar origem a benfeitores como Gandhi, Madre Tereza de Calcutá, e outros milhares de heróis anônimos, capazes de devotar tempo, inteligência, trabalho e vida ao esforço de reduzir as mazelas que atormentam a humanidade.

 Certamente um bom exercício para estimular a compaixão é desligar a tevê logo após uma notícia trágica e procurar perceber o que se passa em nosso interior. Como o coração reage à imagens de pessoas sofrendo?  Estabelecemos alguma empatia? Temos condição de imaginar-nos em situação idêntica à das vítimas de qualquer tragédia? Somos capazes de formular pensamentos e sentimentos de amor destinados às pessoas que sofrem? Lembramo-nos de rogar a Deus, conforme nossa concepção, pelo alívio e consolo dos desafortunados?

Esta é uma forma mística de compreender e exercitar a compaixão. Com a repetição, é possível aprimorar os sentimentos e encontrar maneiras de ser compassivo e colaborar para que a humanidade seja mais feliz.  


Auro Barreiros

Janeiro, 2012

terça-feira, 2 de abril de 2013

VIDA, NATUREZA E HUMANIDADE



Neste mês de março aconteceu o Dia Mundial da Água. Resultado da preocupação do mundo científico em relação a esse elemento vital, naquele dia houve discussões, palestras, propostas e cobranças de diversos segmentos da sociedade da maior parte dos países. Ainda que, mesmo numa questão que envolve a sobrevivência da espécie humana, os interesses políticos dividam opiniões, parece que há algum consenso em que a preservação da água é responsabilidade de todos, além-fronteiras. Há o temor de que essa consciência tenha chegado tarde e que os danos provocados pela poluição tenham comprometido definitivamente grande parte dos mananciais, o que torna ainda mais dramática a situação.

O paradoxo é que, desde o princípio, o homem depende da água; para a formação de seu corpo, para a manutenção de suas atividades fisiológicas, para a germinação e crescimento das plantas que o alimentam. Mais ainda, em função de suas necessidades básicas, foi às margens de rios e mares que o ser humano se estabeleceu e civilizou-se. Aprendeu a navegar e expandiu fronteiras comerciais e culturais, responsáveis por grande parte da evolução da humanidade. No entanto, alguns milênios transcorreram antes que essa relação entre água, natureza e vida trouxesse a compreensão da necessidade do equilíbrio e da preservação.

Natureza e vida se entrelaçam, de forma tão íntima que não se toca em uma sem abalar a outra. O místico entende que tudo no universo se encadeia numa ciranda de causas e conseqüências. As leis dessa mesma natureza atuam nos elementos, destruindo e reconstruindo as formas e manifestações, no eterno vir-a-ser vislumbrado por Parmênides. Então, como conciliar as necessidades humanas com a preservação da ordem natural das coisas?

A Ordem Rosacruz, em seu 4º Manifesto – Positio Fraternitatis, declara que ” (...) é evidente que a sobrevivência da espécie humana depende de sua aptidão para respeitar os equilíbrios naturais. O desenvolvimento da Civilização gerou muitos perigos decorrentes de manipulações biológicas relativas à alimentação, à utilização em grande escala de agentes poluentes, à acumulação mal controlada de resíduos nucleares, para citarmos apenas alguns riscos principais. A proteção da Natureza e, portanto, a salvaguarda da Humanidade, tornou-se uma questão de cidadania, ao passo que antes só dizia respeito aos especialistas. Ademais, ela se impõe doravante no plano mundial. Isso é ainda mais importante porque o próprio conceito de Natureza mudou e porque o Ser Humano está se sentindo parte integrante dela; não se pode mais falar, hoje em dia, em Natureza em si mesma. A Natureza há de ser, portanto, aquilo que o Ser Humano queira que ela seja”.

Ou seja, a engenhosidade da mente humana, que tanto já realizou no campo da ciência, deve encontrar formas equilibradas de se alimentar, se vestir, se transportar e habitar, que não extrapolem o poder de regeneração do ambiente. Em conseqüência, o homem precisa rever seus conceitos de necessidade, descartando os usos e consumos que nada acrescentem à sua existência, seja em relação à sobrevivência ou à satisfação de seus ideais de conforto, desfazendo-se das necessidades criadas pelas imposições dos costumes e da mídia.

Lembremo-nos que a natureza já é atualmente o que as gerações anteriores quiseram que fosse. Reflitamos.


(Os conceitos do presente texto são da responsabilidade de seu autor, não representando necessariamente a posição oficial da AMORC, exceto onde isso esteja explicitamente declarado.)

Para saber mais a respeito da Ordem Rosacruz – AMORC, acesse o site oficial: www.amorc.org.br ou procure um Organismo Afiliado à AMORC (pronaos, capítulo ou loja) em sua cidade.
O Pronaos Rosacruz Ji-Paraná – AMORC é localizado na Rua Miguel Ludke, 1.136 – Jardim Aurélio Bernardi II.

Auro Barreiros é redator publicitário e atual Mestre do Pronaos Rosacruz Ji-Paraná – AMORC.

quarta-feira, 6 de março de 2013

A mulher e o mundo na visão mística


A passagem do Dia Internacional da Mulher dá ensejo a algumas reflexões a respeito da discriminação de gênero.  Desde que o mundo é mundo, pra usar uma expressão bem antiga, a maior parte das culturas conhecidas relega socialmente o sexo feminino a um patamar inferior.  No passado não muito distante, essa discriminação era explícita, pois não havia força de contestação ao que se estabeleceu sob diversos pretextos, inclusive de ordem religiosa. A própria mulher se submetia ao cerceamento de sua expressão, pois acreditava na justiça de tal costume.

A despeito das limitações, a antiguidade conheceu mulheres notáveis que, com genialidade, abnegação e coragem escreveram algumas das mais belas e emocionantes páginas da História; Hatshephsut, filha de Thuthmose I, governou o Egito por volta do século XV A.C. Segundo os historiadores, seu reinado foi de paz e prosperidade. Cleópatra, filha do rei Ptolomeu, demonstrou habilidade política, ousadia e sagacidade na defesa dos interesses de sua nação. Ao contrário do que sugere a ficção, não era exatamente uma beldade, mas possuía sólida cultura e aguda inteligência.  Joana D’Arc, Madre Tereza de Calcutá, Marie Curie, Edith Piaf... A lista é longa, porém incompleta, por faltarem as heroínas anônimas, mães, esposas, educadoras, artistas, operárias, cientistas, guerreiras do cotidiano de todos os tempos. 

“Os tempos mudaram”, alguém diria. “Hoje há igualdade entre os sexos”. Numa visão superficial, especialmente se limitada ao que expõe a mídia, pode-se até concordar que não há mais discriminação da mulher. Mas, quando lembramos que, nos países ocidentais, o direito do voto é uma conquista recente; que, graças à internet, a prostituição atingiu níveis nunca dantes imaginados; que em diversos países (inclusive o nosso) há uma luta inglória contra o abuso sexual de crianças e adolescentes, predominantemente do sexo feminino; que, em pleno século vinte e um, há lugares em que uma mulher é apedrejada por infidelidade, a ilusão se desfaz e percebemos que ainda há muito que ser corretamente compreendido para que haja a verdadeira igualdade entre os sexos.

Para os Rosacruzes, homem e mulher são expressões de Deus, animadas pela mesma essência e dotadas dos mesmos atributos básicos: inteligência, sensibilidade, raciocínio, criatividade. A diferença morfológica e as funções biológicas não constituem condição de superioridade ou inferioridade; antes, complementam-se física e espiritualmente.  Não há qualquer justificativa natural, social ou religiosa para diminuir a amplitude do direito e da liberdade da mulher. Mental e espiritualmente, homem e mulher podem atingir os mesmos graus de evolução, desde que haja equanimidade no ambiente social em que vivam. Este, portanto, é um dos objetivos da cultura Rosacruz; a construção de uma sociedade justa e fraterna.

Auro Barreiros (artigo publicado no jornal Folha de Rondônia em março de 2011)