Entre o escrito, o falado e o cantado passei boa parte da vida. Agora, com a bênção do tempo a revisar minhas ideias, desfruto o prazer de compartilhá-las. Seja bem-vindo; navegue,opine. fique à vontade.
segunda-feira, 27 de novembro de 2017
quarta-feira, 22 de novembro de 2017
quarta-feira, 15 de novembro de 2017
quinta-feira, 9 de novembro de 2017
quarta-feira, 1 de novembro de 2017
ANATOMIA DA ALMA - CAPÍTULO I
Anatomia da Alma – Capítulo I
(Passeando
pelos porões)
O ressentimento
é dissimulado.
Mostra-se choroso,
desolado,
Um injustiçado,
embora virtuoso.
Clama pelo desconhecimento,
Que lhe
causa surdo sofrimento,
E lhe
maltrata o ego caprichoso.
A mágoa
desbotada do passado
Ainda o
mantém agrilhoado
Aos pés de
uma imagem carcomida.
Porém, por
ser assim, dissimulado,
Tem dias que
sai, fantasiado,
E desfila
com garbo na avenida,
Disfarça entre
as dobras da plumagem
E nos belos
meneios da linguagem
O surdo latejar
da velha ferida!
Como Prometeu
acorrentado,
O ressentido
vê perpetuado
O seu
tormento, como chaga viva;
Aprisionado aos
seus rancores,
Apaixonado pelas
próprias dores,
É tão
somente uma alma cativa.
Auro
Barreiros
2/11/2017
sexta-feira, 20 de outubro de 2017
CANIS ET CIRCENSIS II - O DESAFIO

E como naquele final de tarde soprava
uma brisa inspiradora, Drica iniciou a prosa me lançando um desafio. A danadinha
propôs que os questionamentos de ambas as partes fossem respondidos em versos. Assim
como um duelo de repentistas. Fiquei surpreso, pois não conhecia a vertente
poética dessa criatura, cuja existência quase finda em seus primeiros dias por
conta de uns carrapatos. Mas, desafio feito, desafio aceito. Decidimos no
par-ou-ímpar pra ver quem começava. Coube a mim a honra de iniciar a porfia e,
matreiro, resolvi me apegar aos pais da matéria.
“Drica, minha jovem; no Banquete de
Platão acontece um debate sobre a natureza do amor, onde surgem alegorias
incríveis, como a dos cabires e a justificativa para a separação dos sexos. (Ela
levanta uma orelha, em sinal de atenção) Sócrates, que era o palestrante mais
esperado na ocasião, após exercer a sua peculiar maiêutica e conduzir o
raciocínio para uma nova abordagem, surpreende a todos com uma visão
psicológica do sentimento, em que evoca a deusa Necessidade para argumentar que
o Amor, ao menos em relação ao homem, não é um deus, nem um “daemon”, mas um
gênio. Sua natureza é de carência, que leva à busca do que lhe falta para
sentir-se pleno. E você, o que acha da tese de Sócrates”?
Ponteei a viola (dém, dém, dém, dém)
e a quadrúpede abusada mandou a letra:
“Esse grego era mesmo bem esperto,
Discordou sem ferir nem criar clima,
Sem trair o fiel manteve a rima
Na mensagem do pensamento aberto,
Sabiamente apontou o rumo certo
Conforme aprendeu com Diotima!”
(Caramba!)
“Fosse um deus e tivesse a plenitude
E a total satisfação de seu desejo
Não seria o Amor, pelo que vejo,
Buscado pelo ser, como virtude;
Mas apenas o sonho que ilude
E à fugaz fantasia dá ensejo”!
(Eu, hein?)
“Dos Cabires a simbologia
Nos recorda que a dualidade
É fase transitória da verdade
De que tanto se ocupa a filosofia,
Pra que o homem descubra, algum dia,
A origem da tal Necessidade”!
Pegou pesado, a pulguenta! Já meio
arrependido de ter aceitado a proposta poética, me concentro no ponteio da
viola, que, no momento, é minha única fortaleza. Drica dá uma coçada na orelha
e prossegue:
“Uma coisa, porém, é o sentimento
Que motiva a buscar o seu reverso
Outra coisa é a Lei que canto em
verso,
A matriz do perpétuo movimento
Dos arcanos reais, do firmamento
E da vida que pulsa no Universo”!
(!)
“O amor que a Natureza expressa
É reflexo da Lei que o sublima;
Embaixo, você sabe, é como em cima,
E tudo o que existe assim começa;
Esta é a parte que nos interessa
Conforme ensinara Diotima”!
Acordes finais da viola, propus uma
pausa para o lanche, pois conheço a filósofa canina (e hermetista, como acabo
de descobrir) e sei que só assim terei folga para me preparar.
“Mais um biscoitinho?”
“Au!”
Auro Barreiros
20/10/2017
sexta-feira, 13 de outubro de 2017
CANIS ET CIRCENSIS - I
Drica, minha cadela, é versada em
filosofia. Do alto de sua avançada idade, para os padrões caninos, volta e meia
me agracia com preciosas reflexões. Reflexões maduras, profundas e abrangentes,
que estabelecem correlações inusitadas entre sua ótica de quadrúpede e o plano
das consequências, que normalmente afeta muito mais os bípedes ditos racionais.
As repetidas conversas de fim de
tarde findaram por desenvolver entre nós uma espécie de comunicação não-verbal
(ao menos de minha parte), algo entre a linguagem corporal e a telepatia.
Numa dessas prosas, enquanto assistíamos
o jornal da noite, propus (bem ao estilo socrático), uma análise da paixão
humana pelo poder. Esse “humana” foi sugestão dela, que, de cara, me pontuou
que cachorro não tem isso. Segundo ela, a única coisa que se assemelha a paixão
no universo canino é o amor ao dono, muitas vezes imerecido, mas incondicional
e perene.
Mas, como eu disse, assistíamos o
jornal e nos debruçávamos no exame das complexas e esdrúxulas personalidades
que nele desfilavam; em nível mundial, homens alucinados, tendo nas mãos uma
chave que pode abrir as janelas do céu ou escancarar os portões do inferno. Por
suas atitudes provocativas e infantis, o temor é de que prefiram a segunda
hipótese.
“Como você vê essa escalada de tensão
entre potências, que tem o potencial de arrastar a humanidade para mais um
fratricídio de proporções globais”?
Drica se levanta, vai à varanda, dá
uma meia dúzia de latidos e volta, sentando-se aos meus pés, com uma expressão
de esperteza no olhar, que minha recém-desenvolvida habilidade telepática
rápidamente converte em uma resposta:
“É deplorável, mas compreensível o
comportamento desses humanos. Apesar de
toda a sofisticação que os rodeia, ainda não aprenderam a separar o instinto da
razão. Como os animais, querem “marcar território”, mas desconhecem o limite de
cada demarcação. Ainda não aprenderam conosco a se fazerem respeitados pela sua
própria natureza, de modo que não lhes basta latir; tem que morder, também”.
(Pausa para reflexão e mastigar um
pedaço do pão com manteiga do meu café da tarde).
Auro
14/10/2017
quinta-feira, 21 de setembro de 2017
O BUSCADOR DA VERDADE (AQUELA QUE NÃO QUER CALAR)
Era inverno. Ali, no Himalaia, essa estação do ano era a
ideia mais próxima que se poderia ter da morte, ainda que a morte fosse
definida pelos ensinamentos de meu guru como mera ilusão provocada pelas
limitações da consciência aprisionada à carne; Maya, em uma palavra. Mas era
uma ilusão muito real e dolorosa para mim, que ainda não me libertara das trevas da ignorância e
não passava de um simples Chela (discípulo, para os leigos). Um simples e
medíocre Chela, que, naquele dia de cruel inverno tibetano, escalava a face
mais íngreme de uma certa montanha (não direi qual, para preservar o segredo da
morada do meu guru), buscando a luz que saciaria minha sede de conhecimento.
Depois de um dia
interminável de tropeços, quedas, dolorosas rachaduras nos lábios e mãos, pés
petrificados e a constante ameaça de hipotermia, eis-me à entrada da caverna em
que aquele homem santo meditava, sentado em lótus. A débil chama de um
candeeiro abastecido com manteiga de iaque lançava reflexos dourados à barba
longa e branca (lembrava uma estalactite), formando uma imagem que induzia o
respeito e a veneração.
A pedra gelada que me serviu
de banco certamente estava à minha espera, pois reunira todo o frio da montanha
para me congelar a coluna, desde a base até a nuca. Rígido e feliz por estar
ali, aos pés do mestre, meditei por algum tempo (horas, dias, meses, talvez;
isso é irrelevante, pois, segundo o mestre, o tempo também é uma ilusão da
consciência limitada, em sua prisão de carne. Maya, claro!).
Ao regressar do
quase-nirvana, as questões transcendentais que me levaram até aquele santo
lugar começaram a enfileirar-se em minha mente. Decidi então iniciar meu
aprendizado, dirigindo ao sábio asceta a primeira de incontáveis perguntas.
“Iluminado Instrutor das almas trevosas (a
praxe ritualística determina que, dirigindo-se ao Guru, uma exaltação
cerimoniosa deve preceder a fala), podeis me explicar a origem e sentido da
vida?”
Aguardei, reverente, a breve
introspecção daquele que me tiraria a venda dos olhos espirituais. Em poucos
minutos, o vetusto ser abre os olhos e começa a me responder, com um leve
sorriso a bailar em seus lábios:
“Ignóbil Chela (o esculacho também é praxe ritual), isso é
de uma simplicidade infantil. A origem da vida...(não vou relatar a resposta do
mestre, pois a mesma demorou mais ou menos uma semana para ser concluida. E era
um resumo para pricipiantes como eu).
Transbordante de alegria, eu
teria até dançado, se a rigidez imposta pelo frio não me tolhesse quase todos
os movimentos. Finalmente, estava recebendo a luz que tanto buscara, desde o
Paquistão até a Grande Muralha da China. Inebriado e feliz, passei para a
próxima questão:
“Ó, Profundidade Oceânica da
Sabedoria Ancestral (dessa vez eu caprichei)! Podeis descrever as dimensões
espirituais?”
“Claro, estúpido antropoide!
Mas preste atenção, que só falarei uma vez!” E por mais uma semana, o Erudito
preceptor discorreu sobre o tema. Eu, absorto, bebia cada palavra.
E assim, pergunta após
pergunta, fui realizando meu austero discipulado. O intenso frio já não me
incomodava; aliás, à exceção do queixo e dos olhos, todo meu corpo era uma
pedra de gelo insensível.
Um dia, ao final de uma bela tarde de inverno (esqueci-me
de dizer que o inverno nunca termina no Himalaia), resolvi formular a questão
das questões, a dúvida que me perseguia por vidas afora. Respirei fundo,
conforme as práticas de Pranayama e mandei:
“Venerando Guardião das Verdades Eternas (esse
eu havia reservado para uma pergunta especial); como bem o sabes, a humanidade
está vivendo um caos de ordem ética, cujas consequencias espirituais podem ser
notadas na insalubridade mental e emocional da sociedade (o mestre, até então
sorridente, começou a mudar a expressão; encolheu os lábios, franziu levemente
o cenho e me encarou, entre curioso e contrariado). E a parte mais
contraditória dessa crise é ser protagonizada por aqueles que têm acesso ao
conhecimento e, por justiça, deveriam ser os primeiros a preservar os valores
morais duramente conquistados. Agentes da lei que acobertam e até praticam o
crime, magistrados que se vendem e vendem seus favores, homens públicos que se
locupletam do bem que é de todos, feito baratas no melado, insensíveis ao
sofrimento que provocam ao redor. Castas privilegiadas que arrogam supremacia
em função da crença ou da cor da pele, sistemas econômicos que encampam a
ciência em prol do lucro desmedido, comerciantes da fé e das armas, uns e
outros gerando a guerra como fonte de renda; tudo isso acontecendo debaixo do
céu de Brahman, Jeová, Alah, ou seja lá quem for o Regente Universal! Dizei, ó
Farol das Almas! Como entender isso? E, principalmente, como acabar com isso?”
O Magnânimo Yogue estava
visívelmente contrafeito. Fechou os olhos e demorou-se por algum tempo (dias,
semanas, meses? Não importa, pois ele mesmo disse que o tempo etc, etc.), até
que, concentrado, inspirou profundamente e emitiu um longo gemido:
“Hummmmmm!..”
Sem entender se traatava-se
de um mantra ou uma resposta cifrada, aquietei minha mente e entrei em
meditação profunda, enqanto o vento cortante do inverno tibetano terminava de
congelar meu corpo.
Não sei por quanto tempo permaneci nesse transe. Mas
em cerca de mil e quinhentos anos a Lei de Samsara já me trouxe de volta a esse
plano por quinze vezes. E até agora não sei se o gemido do mestre era um
mantra, uma resposta ou só um gemido.
Auro Barreiros,
O incompetente Chela
20/8/2017
domingo, 10 de setembro de 2017
A REGRA DE OURO
Na antiguidade, escultores e
construtores definiram um princípio de proporção ideal, cuja aplicação deveria
conferir às suas obras o mais elevado sentido de harmonia. Esse princípio era
conhecido como “número de ouro”, ou “proporção áurea”[1],
ou ainda (e por justa causa) “divina proporção”, já que refletia, entre outras
coisas, o dimensionamento do corpo humano e suas intrigantes relações
matemáticas.
Desde então pode se
reconhecer a presença dessa proporção áurea nas obras dos grandes mestres da
escultura, da pintura e da arquitetura, exatamente pelo que eles buscavam
traduzir em suas criações: o equilíbrio e a harmonia próprios da natureza.
Mas a busca da perfeição não
se limitou às ciências e artes; na filosofia de Platão encontramos a noção do
Mundo das Ideias, o arquétipo em que o plano terreno se reflete, de forma
imprecisa e distorcida como as sombras do Mito da Caverna. Para Platão, o Bem,
o Belo e o Justo são princípios que têm existência real e constituem a essência
de toda a Criação; logo, aperfeiçoar algo ou a si mesmo consiste básicamente em
desvencilhar-se das sombras e retornar ao mundo real, daí se dizer que
“aprender é recordar”.
Esses conceitos estão no
âmago das principais correntes de pensamento espiritualista e grandes
religiões. A percepção da lei natural de compensação transparece na doutrina do
Karma e nas exortações do Evangelho em relação às atitudes para com os outros e
suas consequências. Fazer ao próximo o que gostaríamos que nos fizessem é um
conselho que recebeu o título de “Regra de Ouro”; o exercício pleno dessa regra
significa o mais desejado entendimento das leis divinas e suas implicações na
conquista da paz e da felicidade em Deus.
Mas, talvez em função dos
limites da mente humana, ajustar-se a essa Regra de Ouro ainda não é uma tarefa
simples. Muitas vezes o retorno das mais bem-intencionadas atitudes é o
descaso, que pode culminar no que é percebido como ingratidão. É pouco provável
que exista alguma pessoa adulta que não tenha sua história de frustração diante
do menosprezo alheio ao seu sincero desejo de ajudar. Na maioria das histórias
registra-se um fato comum; alguém que tenta partilhar com o outro algo que,
para si, é a expressão do bem, da verdade e da justiça, sofrendo a decepção de
não ver compreendidos e aceitos os seus propósitos, conselhos ou gestos, do que
resultam amizades abaladas, laços afetivos rompidos, esvaziamento da confiança
e do respeito mútuo.
Mas, afinal, em que consiste
a decepção? Por que nos importa tanto o reconhecimento dos outros em relação
aos nossos atos e intenções? Provavelmente, a decepção tem raízes no desejo de
gratificação; a mente primitiva requer a retribuição, o prêmio, a distinção dos
possíveis gestos de eventual despreendimento. O instinto cobra a satisfação e a
mente racional estipula o preço: o aplauso, a aclamação, o agradecimento e a
reciprocidade. Essa conduta está de tal forma arraigada ao inconsciente que se
manifesta até mesmo nas relações que o homem tenta estabelecer com o Deus de
sua compreensão. Na maior parte das religiões existe a prática da permuta entre
o fiel e a divindade; determinada graça pode ser concedida, se tal e qual
promessa for paga ou algum tipo de sacrifício seja feito. E quando a graça não é alcançada, ocorre o
pensamento de que a promessa ou o sacrifício não tenham sido suficientes, ou
foram mal cumpridos. Raramente passa pela cabeça do homem que sua concepção das
virtudes de Deus pode estar equivocada; que o desejo humano pode não estar em
acordo com a Lei Universal, ou que a intervenção solicitada pode ser imerecida.
Assim, por ignorância a respeito do que acredita, o ser humano oscila entre a
fé vacilante e a dúvida inconfessa.
Temos então, diante de nós,
um impasse: aceitamos que Deus existe e, por ilação, atribuímos-lhe certas
características morais, tal e qual o faríamos a um lider ou soberano. Repetimos
há séculos (ou milênios) que Deus é Onipotente, Onipresente e Onisciente e, bem
por isso, é perfeito em Justiça e Amor.
Mas nem sempre, ou quase nunca conseguimos enxergar essa justiça e esse
amor no desenrolar de eventos trágicos e das aparentes incoerências do que se
costuma chamar “destino”. Muito do que dizemos crer a respeito de Deus permanece
apenas no campo da dialética, sem o alicerce da convicção.
Isso é compreensível, pois
há conceitos para os quais a mente humana carece de parâmetros: eternidade,
imortalidade, infinitude... Dentre estes, talvez o mais complicado seja
conceber o Princípio de toda a realidade, pois este reúne em si todos os outros
conceitos como atributos. Um Ser Supremo tem que ser incriado, pois, se tiver
uma origem, por mais remota, já não é eterno e deixa um vácuo de tempo no seu
“antes”. Tem que ser onipresente, de amplitude infinita, pois, se sua
abrangencia tiver algum limite, o que existirá além daquela fronteira?Outro
Deus? Tudo isso parece óbvio, mas, quando tentamos racionalizar a natureza
dessa Entidade Suprema, esbarramos na dificuldade de conceber o que não tem um
espelho em nossa mente.
A provável solução para esse
dilema talvez seja buscar a compreensão do cosmo que nos rodeia e do qual somos
parte, pois isso é passível de percepção e assimilação em nível do intelecto.
Tal exercício poderia, certamente, ampliar a concepção de uma Consciência
Suprema, universal e ilimitada no tempo e no espaço. Disso resultaria uma
reavaliação de critérios no relacionamento com essa Consciência e com o Cosmo,
do qual, supõe-se, todo ser é parte. O desejo inconsciente de retribuição seria
convertido na busca de harmonia, como consequência natural de pensar, sentir e
agir segundo leis impessoais, equânimes e justas por excelência.
Equanimidade e justiça; talvez seja esta a chave
para a compreensão de uma “Regra de Ouro”. O Mestre Jesus a explicitou de forma
sucinta, quando aconselhou que não se deve fazer aos outros aquilo que não se
deseja para si. Mas o oposto também é verdadeiro; fazer ao outro o que se
deseja para si faz parte da construção dessa regra de convivência. Isso tem
relevância, principalmente, nas relações interpessoais, nas questões básicas de
direitos e deveres. A percepção de reciprocidade se reflete, ainda que
imperfeitamente, nos códigos e leis humanas.
Porém as leis e códigos, por
serem de origem humana e elaborados segundo os limites de época, costumes e
conveniências, nem sempre refletem essa reciprocidade no grau desejado.
Concedem-se privilégios por razões obscuras, ao mesmo tempo em que são
desconsiderados direitos naturais do homem, como as liberdades, a
sobrevivência, o acesso ao conhecimento.
O corporativismo, que nada mais é do que o egoísmo no coletivo, legisla e decide conforme interesses imediatos
de uma classe, em detrimento da ética, forjando assim uma moral flutuante, que
propicia a leniência dos costumes e a inércia espiritual.
Não há como conceber uma
“Regra de Ouro” no sentido original do conceito, sem dissecar a práxis ética e
moral, submetendo-a ao crivo da reciprocidade. O ser humano não deveria ser bom
por temor a um Deus ou a uma lei, mas por empatia; a dor do vizinho me dói, mas
sua alegria me alegra.
E isso nos traz de volta o
questionamento quanto à relação entre o homem e seu Deus, o Deus de sua
concepção. O que esperar de Deus? Bem,
isso vai depender do que se imagina como atributos dessa entidade misteriosa;
como será seu pensar? Terá Deus sentimentos e vontades semelhantes às do homem?
Ele se aborrece? Ele se entristece? Ele tem preferências ou antipatias? Tem
inimigos? Se o Deus concebido tem todas essas características, não dá pra se
esperar muito dele em termos de Justiça, pois um deus assim é apenas um homem,
ainda que a ele se atribuam poderes transcendentais. A relação com seus devotos
terá a cor das paixões humanas, inexatas, injustas e imprevisíveis.
Mas, e se esse deus for de
tal forma benevolente que ignore as insanidades do tutelado, agraciando-o com
generosas bênçãos em troca de meia dúzia de palavras adocicadas em uma prece de
louvor? Seria uma divindade mais confiável?
No que diga respeito à concepção de Deus, não há como fechar questão.
Cada um a desenvolve por si e segundo sua própria percepção. Mas o bom senso
indica que a convivência com a ideia de Deus será tão harmoniosa quanto for
fundamentada na compreensão das leis naturais e cósmicas. Essa sintonia ideal é
definida por Jesus, quando resume a Lei e os profetas de seu tempo em um
magnífico ensinamento: “Ama ao próximo como a ti mesmo e a Deus sobre todas as
coisas”[2].
Senão, pensemos: é possível amara ao próximo sem amar a Deus? Talvez sim, para
os ateus. Estes não concebem uma entidade ou força inteligente como criadora e
ordenadora do Cosmo, mas isso não é impedimento para que nutram o mais sincero
sentimento fraterno em relação ao semelhante. E amar a Deus sem amar ao
próximo? Sim, também é possível, para quem alimenta a ideia de um deus-homem,
com as mesmas limitações psicológicas de suas criaturas. No entanto,
considerando-se a impessoalidade como prerrogativa essencial para uma justiça
perfeita, esse amor seria unilateral, pois não encontraria eco na dimensão
cósmica. Esse tipo de concepção da natureza de Deus delimita suas benesses ao
restrito círculo de afetos e interesses do devoto, contrariando assim a noção
de equanimidade.
E o que tudo isso tem a ver com a Regra de Ouro? Bem, dissemos antes que essa Regra pretende
refletir o equilíbrio e a harmonia da Natureza. E a Natureza é manifestação
visível da Consciência Suprema, ou Lei Universal a que a mente humana atribui a
origem e domínio de todas as coisas. Logo, os eventos naturais e cósmicos
refletem, em alguma grandeza, a forma ideal de justiça. O homem, por seu
atributo de autoconsciência, pode testemunhar em si mesmo essa realidade, na
alternância entre dor e prazer, infortúnio e felicidade, carência e plenitude.
Sua consciência, ainda que limitada, é
capaz de entrever o encadeamento de causas e consequências que produz o seu
destino. Mais ainda, percebe que seus desejos movimentam as peças desse jogo, o
que o faz compreender que é, em grande medida, o artífice do já mencionado
destino.
Quanto mais amadurece na
compreensão dessa dinâmica da Lei Cósmica, menos o ser humano encontra
justificativa para a auto-piedade. O reconhecimento de que seus pensamentos,
palavras e ações constroem o futuro que terá que viver, fatalmente o induz a
considerar o “outro”; seu próximo, com quem partilha o drama da existência.
Mais dia, menos dia, se convencerá de que, a despeito das aparentes diferenças,
a estrutura interior de todo homem ou mulher é fundamentada nos mesmos
princípios naturais; fugimos da dor e buscamos o prazer, a felicidade, a
compensação, ainda que, por ignorância, frequentemente nos equivoquemos,
provocando justamente o sofrimento que pretendíamos evitar. Daí a imensa
profundidade do conselho de Jesus: “Tudo o que quereis que vos façam, façais
também aos outros”[3].
Mas, mesmo esse majestoso
conselho precisa ser bem compreendido, para que não sirva de desculpa à invasão
da liberdade do próximo. É conveniente que se examine desapaixonadamente aquilo
que o homem faz para si. Que frutos ele colhe das atitudes e práticas que tem
para consigo mesmo? No passado (e ainda hoje), grupos religiosos empenhavam-se
em difundir suas doutrinas a outros povos. Emprincípio, não há nada de errado
nisso, pois todos devem ter a liberdade de proclamar suas crenças. Mas, em nome
desse ato de fé, muitas vezes a consciência do outro é atropelada pela ideia de
que o “meu deus” é verdadeiro e o “seu deus” é falso. Culturas milenares foram
assim destruídas ou deturpadas, e nenhuma felicidade foi acrescentada aos
convertidos. Mas, quem impingiu suas convicções, muitas vezes o fez na crença
de que estava fazendo ao próximo o que desejaria para si mesmo. Será que a
situação inversa seria aceita com esse mesmo espírito de compreensão? Num caso
como esse, a Regra de Ouro não seria o respeito às diferenças?
Para melhor estabelecer uma “Regra de Ouro” pessoal,
pode-se realizar um exercício de consciência. Esse exercício consiste em
separar um período da vida cotidiana para “sair de si” e tornar-se expectador
dos próprios pensamentos e atitudes, registrando os efeitos mentais, emocionais
ou mesmo físicos resultantes, tanto em si quanto (e especialmente) nos outros. A
ideia é se ver como num teatro, em cujo palco esteja sendo encenada a peça “Eu
e o Mundo”. No tablado, entre os atores, há um que representa fielmente o “Eu”;
é o papel principal. Mas os outros artistas não são menos importantes, pois é
de sua interação com o “Eu” que as verdades do coração podem se revelar. No transcurso
dessa encenação, será possível entrever o real sentimento que motiva cada ato. E,
ao fim da peça, o espectador poderá ter um retrato aproximado de seu próprio Eu
e das consequências boas ou más de sua forma de conviver com o mundo. Quem sabe,
perceberá (e admitirá) o quanto ainda age por desejo de compensação. Principalmente,
compreenderá até que ponto esse desejo é natural e a partir de quando se torna
um obstáculo ao amadurecimento espiritual. Tais noções, obtidas do exercício de
“sair de si”, lhe possibilitarão iniciar a elaboração de uma “Regra de Ouro”,
que lhe trará frutos de paz e harmonia, na proporção em que esteja em
consonância com as Leis Universais, cuja perfeição e Amor se traduzem na
Natureza e no Cosmo.
Auro Barreiros
Setembro/2017
sábado, 29 de julho de 2017
sábado, 29 de abril de 2017
REFLETINDO SOBRE CICLOS E HUMANIDADE
Conforme indica a Sabedoria dos Tempos, o Cosmo, com tudo o
que contém, é cíclico. Desde o mundo subatômico até as vastidões inconcebíveis
à mente humana, toda a realidade se move segundo ciclos que se encadeiam continuamente,
numa gigantesca ciranda de causas e consequências. Apoiando-se nessa concepção,
não é exagero pensar que a queda da folha de uma árvore afeta a perpetuação da
vida em nível microscópico e que isso por sua vez, tem relação com o restante
das manifestações de vida em um planeta.
E quando se fala em vida, surge de imediato a lembrança da
vida humana, a nossa vida. Ai que parece, somos a espécie que mais se dá conta
da própria individualidade. E somos também a espécie que mais drasticamente
interage com o ambiente em que habita, junto com os demais seres vivos. Graças
aos dotes de raciocínio, observação e assimilação das experiências,
desenvolvemos habilidades que nos permitem alterar condições naturais para
atender o que acreditamos serem as nossas necessidades. E como essa crença nem
sempre corresponde à realidade natural, provocamos profundos desequilíbrios
ambientais, que findam por interferir negativamente na qualidade da vida que
tanto defendemos.
A criação e manutenção dos padrões de existência confortável
exige poder econômico; isso motiva problemas aparentemente incontroláveis, como
o consumismo, a especulação financeira e a guerra. Sim, pois é impossível fazer
uma guerra sem dinheiro! Armas custam caro, aviões e navios idem. Logo, por
trás de motivações políticas e ideológicas há sempre a extraordinária
movimentação de fortunas para o custeio dos conflitos.
E chegamos ao ponto crucial dessa argumentação: por que o ser
humano não se satisfaz? Por que os valores éticos são relativizados quando está
em jogo o poder? Por que não tem sido possível vivenciar a verdadeira paz na
Terra? De que nos valeu a espantosa tecnologia que já desenvolvemos e que nos
facultou a conquista do Espaço, se somos ainda incapazes de dominar o nosso
“espaço” interior? Tendo como real a Lei de Compensação, qual será o resultado
de nossas presentes ações e omissões?
Diante de tais indagações, devemos voltar à Lei dos Ciclos.
Assim como a semente germina em certo tempo, segundo a sua espécie, o que o
homem semeia através de suas atitudes também tem um tempo para germinar e dar
frutos. Por exemplo, o lixo que a civilização produz e que por milênios foi
despejado no meio ambiente, é agora uma das maiores preocupações dos países mais
ricos, que dispõem de conhecimento suficiente para saber que a saúde de seus
cidadãos está ameaçada pelos mesmos rejeitos que foram produzidos pela sua
incessante busca de conforto e sofisticação. No atual ciclo, um dos principais desafios
do homem é cuidar do próprio lixo!
Mas, ainda que se encontre uma solução tecnológica para a
questão do lixo, ainda restam outros problemas que, por serem inerentes à
natureza humana, não serão solucionados por computadores; ganância, sede de
poder, intolerância, preconceito, egoísmo, são os amargos frutos da ignorância
do homem a respeito de si mesmo. Suas
mais evidentes consequências aparecem sob as formas de ansiedade, transtornos
emocionais, estados depressivos, conduta violenta, crises existenciais, um
vasto repertório de efeitos de uma só causa: ausência de paz.
Da mesma forma que o Cosmo, o mundo interior também obedece a
ciclos de semeadura, germinação e frutificação dos hábitos mentais e emocionais
cultivados ao longo da vida, ainda que não tenhamos consciência disso. A essa
inconsciência costumamos dar o nome de “destino”.
É possível mudar isso? Podemos nos livrar do resultado de uma
vida de cultivo de ervas daninhas?
Sim, é possível mudar a qualidade da colheita futura a partir
de boas sementes plantadas agora. Pode-se, gradualmente, modificar o ecossistema
interior e estabelecer um padrão de harmonia mental e emocional, que se reflete
na conduta e no trato com o semelhante.
Assim como o astrônomo usa o telescópio para vasculhar o céu,
o homem que busca a paz interior se vale de seus instrumentos naturais para
explorar a si mesmo. A reflexão é uma dessas ferramentas. Refletindo, pode-se
extrair das experiências o conteúdo de sabedoria nelas oculto. Refletindo, no
exercício da liberdade de consciência, pode-se incorporar a sabedoria adquirida
à personalidade, eliminando falhas comuns do caráter, criando novas e
apropriadas formas de sentir e de agir, para que o semear seja fecundo e doces
os frutos.
A Lei dos Ciclos é evolutiva. A cada périplo, toda realidade
ascende a um novo patamar. Assim, quando o homem busca a compreensão de si
mesmo e sua relação com a Lei Maior, o mesmo acontece com ele; sua consciência
se eleva, seus horizontes se ampliam, seu coração se agiganta. O buscador
assimila a lição fundamental: somos responsáveis pela nossa felicidade.
A propósito, vale lembrar aqui algumas das sábias palavras de
Ralph Lewis, ex-Imperator da Ordem Rosacruz – AMORC:
CREDO DA PAZ
Sou responsável pela guerra...
Quando orgulhosamente faço uso da
minha inteligência para prejudicar o meu semelhante.
Quando menosprezo as opiniões alheias
que diferem das minhas.
Quando desrespeito os direitos
alheios.
Quando cobiço aquilo que outra pessoa
conseguiu honestamente.
Quando abuso da minha superioridade de
posição, privando outros de sua oportunidade para progredir.
Se considero apenas a mim próprio e
aos meus parentes pessoas privilegiadas.
Quando me concedo direitos para
monopolizar recursos naturais.
Se acredito que outras pessoas
devem pensar e viver da mesma maneira que eu.
Quando penso que sucesso na vida depende
exclusivamente do poder, da fama e da riqueza.
Quando penso que a mente das pessoas
deve ser dominada pela força e não educada pela razão.
Se acredito que o Deus de minha
concepção é aquele em que os outros devem acreditar.
Quando penso que o país em que
nasce o indivíduo deve ser necessariamente o lugar onde ele tem de viver.
Sou
responsável pela paz...
Se direciono correta e
construtivamente os poderes da minha mente.
Se concedo ao meu semelhante o direito
pleno de se expressar, de acordo com o seu próprio entendimento das verdades da
vida.
Se reconheço que os meus direitos
cessam quando iniciam os direitos dos outros, e aceito isso com um mínimo
indispensável de disciplina.
Se faço uso dos meus poderes
interiores para criar minhas próprias oportunidades.
Se consigo promover a evolução
dos que me cercam, sem considerar a minha posição ameaçada, e entendo que esta
é a minha maior fonte de sucesso.
Se compreendo que as LEIS DIVINAS
diferem das leis criadas pelo Homem, e que nenhum direito divino especial é
concedido a alguém unicamente por seu berço.
Se reconheço que os recursos
naturais devem servir indistintamente a todas as formas de vida, e que não me
cabem direitos exclusivos sobre eles.
Se compreendo que nada é mais
livre do que o pensamento, e que o pensamento construtivo transforma o Homem
direcionando-o para a sua verdadeira meta.
Quando sinto que toda felicidade
depende do simples fato de existir... de estar de bem com a vida.
Se percebo que todo ser humano
poderá vir a ser um grato amigo, quando convencido pela argumentação sincera.
Se considero que a Alma de Deus
adquire personalidade no Homem, e que este só pode conceber Deus a partir de
sua própria percepção da Divindade.
Se reconheço a mim e ao meu
semelhante como partes integrantes do Universo, e que a cada um cabe a busca do
lugar onde melhor possa servir.
Se estou em PAZ, eu promovo a PAZ
dos que me cercam. Por sua vez, eles promovem a PAZ daqueles que estão à sua
volta e que também farão o mesmo.
Então, a PAZ começa
por mim! E sem ela não pode haver a necessária transformação social.
Auro Barreiros, FRC
dezembro de 2015
terça-feira, 23 de agosto de 2016
Pelo nome de Joana
Pelo nome de Joana
Hoje, ao fim do dia,
Na luz que declina,
Névoa fugidia,
Saudosa neblina,
Recordei Joana,
Joana menina.
Joana donzela,
Terna flor da vida,
Olhos de estrela,
Mãos na rude lida,
E a voz, distante e bela
Daquela Catarina,
Daquela Margarida,
Sopra-lhe aos ouvidos
O som do paraíso,
Envolto em gemidos,
Oculto no sorriso
Do anjo que ilumina
E à luta convida
A quase-menina,
Irmã de Margarida,
Irmã de Catarina!
Recordei Joana,
A fronte iluminada,
Audácia mais que humana,
Empunhando a espada,
Guerreira menina,
Nessa rude lida,
E a luz de Catarina,
E a luz de Margarida!
Lembrei-me da criança
E do cruel juiz,
Do débil Rei de França
E a noite infeliz
Em que Joana bela
Guerreira menina,
Seguindo Margarida,
Seguindo Catarina
Despede-se da lida,
Terna flor-de lis.
Auro Barreiros - 2/7/2016
sexta-feira, 8 de abril de 2016
O PROPAGANDISTA
Tô na rua
do Mercado
Mostrando a
mercadoria
E chamando
a freguesia
Para se
aproximar
E examinar
A grande
variedade
Eu garanto
a qualidade
Se gostou,
pode levar!
É só pegar!
Que o
artigo tá barato
Tem botina,
tem sapato
Tem calça,
tem paletó
Gravata,
cinto e colete
Para dançar
no forró
Jardineira
pra menina
Lenço,
pente, brilhantina
Lantejoula
e purpurina
Pra enfeite
de bordado
Enxoval de
batizado
Do tempo de
minha vó
Escute só
A minha
publicidade
Todo o povo
da cidade
Tá sabendo
e vai saber
Que meu
destino é vender
Trocar e
negociar
E anunciar,
E anunciar!
Auro Barreiros - anos 90
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